O jogo bruto

outubro 29, 2010

por Ricardo Gondim

Não sei se por ingenuidade ou imaturidade não me acostumei com jogo bruto. Para mim, jogo bruto é a constatação de que fui lançado na arena da maldade sistêmica, onde noto a hierarquização de interesses. Não sonho em deixar que neste jogo bruto alguém soque o meu pescoço com bota com sola de aço. Ando fatigado, sei que raposas, hienas e abutres andam doidos para abocanhar os incautos derrotados pelos grandes gladiadores.

Refiro-me aos interesses políticos. São muitos os que enxergam os mortais como massa que reboca as paredes onde abrigam sonhos onipotentes. Não aguento mais ouvir promessa de campanha eleitoral. Não suporto picuinhas ditas e repetidas para encobrir projetos pessoais. Não vejo verdade no jogo bruto da política e isso me desalenta a alma.

Mas o desalento não fica só com os políticos. Sou cria do mundo religioso. E estou des-iludido com lógicas infantis. Brechas separam discurso e prática e isso é muito ruim. Por enquanto a minha des-ilusão tem me feito bem – porque me faz cair na real – mas tenho medo de que ela descambe para o cinismo.

Por algum motivo, não tolero que pessoas sejam mobilizadas a partir de paranóias. Vejo alguns religiosos descrevendo um cenário de horror enquanto procuram fazer dos homossexuais os vilões do futuro. Os homossexuais se tornaram os inimigos que devem ser abatidos. Tais religiosos não só confundem promiscuidade com relações homo-afetivas, como fazem de vidas humanas o belo motivo para alavancar projetos. Eles cavam trincheiras e demonizam pessoas reais, com dramas reais, só para fazer valer seus discursos.

Enquanto isso, vejo inquidades vergonhosas nos bastidores do mundo religioso. Mas como algumas não resvalam na sexualidade, permanecem escondidinhas, intocadas. Não suporto testemunhar que Jesus de Nazaré é usado para promover empavonados, narcisistas, caça-hereges, ditadorzinhos de meia-taça, pseudo-teólogos, bispos sem báculo e os autopromovidos apóstolos.

Não sou santo e nem poso de palmatória do mundo. De tanto errar, de tanto cegar os olhos para as minhas próprias conveniências dogmáticas e de tanto falar obviedades eu também acabei entorpecido por emocionalismos religiosos. Eu também fiz parte de rinhas políticas. Eu reproduzi uma piedade melosa. Entre pecadores, sempre fui o principal.

Contudo, guardo esperança. Talvez eu melhore. Vou procurar o convívio de gente despretensiosa, que ama poesia, que ouve sabiás e bem-te-vis, que gosta de silêncio, que não vê diabo em cada esquina e que não vive a praticar alpinismo social em nome da democracia ou do sagrado.

Por enquanto, estou de ressaca existencial, meio arredio. Preciso de um tempo…

Soli Deo Gloria

O jogo bruto – Ricardo Gondim


Inerrância bíblica?

outubro 25, 2010

por Eliel Vieira

Eu abriria mão da inerrância bíblica se encontrasse erros irreconciliáveis nela. Não vejo porque você abre mão dela quando tem à disposição o fabuloso, delicioso e maravilindo “Manual de Erros e Contradições da Bíblia” do Norman Geisler.” (Meus amigos do blog Deus em Debate, via Formspring)

– RESPOSTA –

A sua abordagem em relação à inerrância bíblica é diferente da abordagem que eu faço. Para você, a Bíblia é um livro inerrante até que se prove o contrário. A inerrância, de acordo com sua abordagem, está simplesmente pressuposta, como se ela fosse algo muito óbvio, e é o crítico da teoria da inerrância que deve apresentar algum argumento ou contradição “irreconciliável”, para que a inerrância deixe de ser considerada.

Eu não tenho esta abordagem. Para mim a inerrância deveria ser uma conclusão, não uma pressuposição. Devemos olhar para a Bíblia e, se assim concluirmos, considerarmos ela um livro inerrante, ou não. O que pessoas como Norman Geisler fazem é olhar a Bíblia já com a doutrina da inerrância em mente. A Bíblia NÃO PODE ter erros. Não importa o quão absurdo seja o que você esteja lendo, ela NÃO PODE conter erros, porque a inerrância é uma pressuposição. (A propósito, Geisler deixa isto muito claro já nas orelhas da referida obra.)

Eu concordo que muitas supostas contradições bíblicas são apenas fruto da mente de pessoas que não tem a mínima noção de interpretação de texto. Algumas “contradições” chegam a ser bizarras. Agora, convenhamos, algumas explicações cristãs para alegadas contradições chegam a ser ridículas também. São apenas racionalizações de um pressuposto que os fundamentalistas não estão dispostos a abandonar. Eu sinceramente não acho que esta é uma postura racional ou equilibrada a se tomar.

Agora, lembre-se que a doutrina da inerrância conforme elaborada pelos fundamentalistas americanos diz que “a Bíblia não possui erro algum em sentido nenhum” e que “ela tem a verdade em tudo o que ela se propõe a comentar”. Ou seja, não podem haver erros nem mesmo semânticos na Bíblia de acordo com a visão destes cristãos, porque ela não tem erros de natureza alguma. É por isso que muitos fundamentalistas acreditam o universo tem 6 mil anos apenas: isto está na Bíblia; ela contém a verdade sobre tudo o que fala; logo o universo tem apenas 6 mil anos de idade. Eles não são livres para pensar de outra forma.

Alguns estudiosos, como o próprio W. L. Craig tentam deixar a doutrina da inerrância mais “light”, mas, sinceramente, eles estão apenas sendo incoerentes com aquilo que creem. Ou a Bíblia pode ter erros ou ela não pode. A lei do terceiro excluído impede qualquer terceira via possível. Se ela não pode ter erros, se ela é inerrante, então o defensor desta visão deve arcar com todas as consequências e implicações de sua crença. Muitos abraçam a doutrina da inerrância e relativizam pontos de tensão desta doutrina e algumas conclusões sobre questões diversas. É uma incoerência, eu penso.

Por fim, existe uma ponte feita entre inerrância e inspiração que eu não defendo. Eu creio na autoridade das Escrituras, mesmo não considerando a Bíblia inerrante. C. S. Lewis pensava da mesma forma e, acredito, (pelo que li) que N. T. Wright pensa da mesma forma. A Bíblia não foi psicografada. A Bíblia não foi ditada por Deus. Ainda estou refletindo sobre como se deu esta “inspiração” e qual foi sua natureza, portanto neste ponto tenho mais dúvidas do que certezas.

Agora, eu li alguns dias atrás o seguinte ponto (que, sinceramente, achei muito interessante): a Palavra de Deus é Jesus Cristo, não a Bíblia. A Bíblia é especial e tem autoridade porque ela contém os relatos mais confiáveis que temos sobre o que Cristo, a verdadeira Palavra de Deus, disse. Quando lemos alguns registros do primeiro e segundo século, realmente parece que era em algo parecido que os cristãos acreditavam em relação aos textos que foram selecionados posteriormente como “sagrados”.

Inerrância bíblica? – Eliel Vieira


A teologia como ela é… e como podia ser…

outubro 24, 2010

por Arthur Peacocke

A teologia precisa ser verdadeira, livre e crítica; e para tratar e interpretar as realidades de tudo que constitui o mundo, especialmente os seres humanos e sua vida interior. Pode a teologia entrar na briga do intercâmbio intelectual contemporâneo, e se manter de pé e sobreviver por conta própria? Para conseguir isso, precisa se tornar uma exploração aberta na qual nada é isento de revisão. O modelo de “ponte” entre ciência e teologia precisa cair, e ser substituído por uma exploração conjunta de uma realidade comum, alguns aspectos da qual provarão, no final, ser os derradeiros –  e apontar para o divino. Deixe-nos agora observar como a teologia é praticada atualmente.

A TEOLOGIA COMO ELA É

O que encontramos? Uma variedade de procedimentos teológicos que não preenchem o critério anteriormente citado:

1. Dependência de um livro oficial: “A bíblia diz”. Mesmo aqueles que não são dados ao literalismo bíblico e ao fundamentalismo, ainda possuem o hábito de tratar o conteúdo da Bíblia (agora com mais de 2 mil anos de idade), como um tipo de oráculo, como se citações de autoridades do passado pudessem resolver questões da nossa época (como um biólogo recorrendo a Aristóteles, ou um médico a Avicenna, ou um químico, a Geber!). Cristãos comuns, receio, muitas vezes pensam que os ministros devem acreditar nisso, e são pagos para isso. No entanto, a biblioteca de livros que chamamos de Bíblia, foi constituída por um processo de revisão crítica e dialógica, repudiando e estendendo o trabalho e experiências das gerações anteriores – mesmo durante o período de composição do Novo Testamento.

2. Dependência de uma comunidade oficial: “A Igreja diz”, “o Padre (pastor) disse”, “o credo diz”, “o Magistério diz”. Aqui, a comunidade religiosa ouve e fala apenas para si mesma.  De acordo com suas interpretações, as doutrinas da igreja cristã têm a função de estabelecer a base para o discurso daquela comunidade, que elucida a gramática do seu próprio discurso interno, sem expor-se a qualquer julgamento ou razoamento externo.  Na melhor das hipóteses, pode ser fides quaerens intellectum, fé em busca de entendimento, mas mesmo isso prescinde de justificação racional da fides, a “fé”. Insisto que a única teologia defensável é aquela que consiste em compreender a fé buscando, intellectus quaerens fidem,na qual a “compreensão” deve incluir os mundos natural e humano, os quais a ciência tem revelado (não me refiro a excluir experiências estéticas e outras experiências da humanidade a partir deste entendimento). Não pode haver dentro das comunidades de fé, esse tipo de submissão a um dogmatismo revelado ou fundamentalismo doutrinal. Lembro das minhas experiências no Conselho Mundial de Igrejas, onde se  tinha por certo, que o que é o Evangelho era aceito e entendido universalmente – quando de fato não era.  A Palavra, se dizia, foi dada por Deus para a comunidade dos cristãos e tem de ser exposta – mas a sua autenticidade como Palavra de Deus nunca foi questionada. Assim, por mais que a fides seja explicada e enriquecida dentro da comunidade, falha em equipar a si mesma com os significados pelos quais poderia convencer aqueles que estão de fora, a levar tais afirmações a sério. Renunciou e repudiou ao que chamo de a lingua franca do discurso humano, dada por Deus – o uso do critério do razonamento. Como podem os cristãos, e outras comunidades religiosas, convencer outros de que o que proclamam, é um tipo de verdade pública, comparável em irrefutabilidade àquela que o mundo reconhece na ciência, e utiliza em suas aplicações?

3. Dependência de uma verdade a priori: Em algumas formas de teologia filosófica, as “verdades” internas abraçadas pela comunidade cristã são encaradas como, basicamente, verdades  a priori, às quais se chegou por raciocínio. Esse tipo de fundacionalismo é raro hoje, por causa do amplo condicionamento cultural daquilo que pode ser visto a priori.  Obviamente, esse tipo de teologia vai encontrar muita dificuldade  para chegar a um acordo com um mundo cujas realidades são descobertas pelas ciências.

A TEOLOGIA COMO PODERIA SER

Se a teologia cristã (e todas elas) quiser seguir os padrões intelectuais da nossa época, por exemplo, não dependendo de autoridades, ou não apelando para noções a priori, deve levar em conta o seguinte:

S = as realidades do mundo e da humanidade descobertas pelas ciências;

CRE  =  a herança judaica e cristã comunal, chamada de Experiência Clássica de Revelação;

WR = as percepções e tradições das outras religiões do mundo.

Daí, os dados da teologia são: S + CRE + WR.

Aqui, temos que infelizmente colocar WR de lado, mas note-se que há um segundo ponto crítico para a teologia cristã em relação às ciências, são os caminhos que as outras religiões têm seguido em relação ao ponto de vista científico, e o que pode ser aprendido com elas.

Mas, para nossos propósitos atuais, vamos considerar apenas S + CRE.

Se colocamos esses dois juntos, somos confrontados com um terceiro ponto fundamental, ou seja, uma revisão radical das noções passadas, se torna imperativa.

Temos CRE = T, onde T representa a teologia cristã.

Mas agora, temos S + CRE =  RT, onde RT representa uma teologia radicalmente revisada, a qual não convive confortavelmente com a teologia T, promulgada por muitas igrejas, e pregada na maioria dos púlpitos (eventualmente, é claro, precisamos de S + CRE + WR = GT, onde GT representa uma Teologia Global).[…]

[…]Qualquer teologia que não incorpora os novos conhecimentos científicos, está moribunda e condenada.

 

O texto acima foi retirado do livro Paths from Science towards God – the end of all our exploring – Arthur Peacocke


Scribal Culture and the Making of the Hebrew Bible – Karel van der Toorn

outubro 17, 2010

trecho da Introdução

Quem escreveu a Bíblia? A questão é quase tão antiga quanto a própria Bíblia. Sábios judeus, citados no Talmud (Baba Bathra 15a), já se perguntavam isso, e a pergunta ainda ecoa nos dias de hoje na mente dos estudiosos e nos títulos dos livros. Desde que a Bíblia recebeu o status de livro sagrado, as pessoas têm se intrigado com sua origem. A Bíblia sobre a qual trata este livro, é a Bíblia Hebraica, adotada pela igreja cristã como Antigo Testamento. Sua origem remonta ao início de Israel. É um paradoxo que os israelitas, baseados como eram numa cultura oral, tenham deixado um livro como sua herança para o mundo. O próprio mundo dos israelitas não possuía livros. A leitura e a escrita eram restritas a uma elite profissional; a maioria da população era analfabeta. Mesmo que essa observação pareça superficial, é necessário fazê-la, desde que os leitores modernos da Bíblia são propensos a projetar sua própria cultura literária no povo bíblico. Embora o Judaísmo seja definido como a “religião do livro”, o livro em questão se origina numa cultura de palavra falada. Se queremos entender como foi feita a Bíblia hebraica, precisamos nos familiarizar com a cultura dos escribas, que a produziu. A cultura de uma elite letrada. Os escribas que produziram a Bíblia eram escritores profissionais filiados ao templo de Jerusalém.

Eles praticavam seu ofício num tempo em que não havia tradição literária nem um público leitor de qualquer espécie. Escribas escreviam para outros escribas. Para o público em geral, os livros da Bíblia eram ícones de um corpo de conhecimento acessível somente por meio da instrução oral apresentada pelos líderes religiosos. O texto da Bíblia hebraica não fazia parte da cultura popular. A Bíblia nasceu e era estudada na oficina de escribas do templo.  Em sua essência fundamental, era um livro do clero. A maioria daqueles que estavam envolvidos na manufatura da Bíblia não deixou nome nem biografia. Não os conhecemos individualmente. Podemos identificar seu ambiente como o da elite dos escribas, e é este ambiente que detém a chave para as origens da Bíblia. Pode ser circunscrita mais precisamente na oficina dos escribas do Segundo Templo, ativa no período entre 500 e 200 a.C. A propagação dos livros que viriam a constituir a Bíblia se originou com a mesma instituição. Os escribas que vamos estudar eram acadêmicos e professores: eles escreveram, editaram, copiaram, fizeram leituras públicas e interpretaram. Se a Bíblia se tornou Palavra de Deus, foi devido à sua apresentação. Tanto a produção como a promoção da Bíblia hebraica foi trabalho dos escribas. A história da origem da Bíblia é a história dos escribas por trás dela.

Scribal culture and the making of the Hebrew Bible – Karel van der Toorn


A igreja de Simão venceu a parada?

outubro 17, 2010

por Caio Fábio

Quando Estêvão morreu apedrejado em Jerusalém, deflagrou-se uma salutar dispersão de discípulos. Isto porque contra a ordem de Jesus, depois de receberem o dom do Espírito Santo, no Pentecoste, ao invés de irem por toda Judéia, Samaria e até os confins da Terra, preferiram ficar em Jerusalém.

A ordem de Jesus era para que ficassem em Jerusalém apenas “até que fossem revestidos de poder”. O poder veio. Mas eles ficaram.

Então o apedrejamento de Estevão os obrigou, em razão da perseguição que se seguiu, a se dispersarem por toda a Judéia e Samaria.

De fato, o texto grego diz que eles foram “semeados” por toda Judéia e Samaria. Então, pela primeira vez, começaram a anunciar a Boa Nova onde quer que fossem ou estivessem; e fazendo isto de modo hebreu, desinstalado, indo, e pregando; assim como batizando os que cressem; ensinando-os, também, o Evangelho; e que era simplificadamente ensinado como três coisas: as historias sobre Jesus e Seus ensinos (narrativas orais da vida de Jesus); a afirmação de que a desobediência e intento invejoso e homicida das autoridades judaicas, acabou por cumprir as profecias acerca do messias; e, também, que ao morrer e ressuscitar, Jesus vencera a morte, oferecendo vida eterna a quem cresse — sendo que o grande dogma dessa fé era o amor a Deus expresso ao próximo. E isto tudo com oração pelos doentes, com imposição das mãos, e a libertação dos oprimidos pelos espíritos que os obsessadavam, os quais ficavam livres em nome de Jesus (Atos 8).

O diácono Felipe, companheiro de Estevão, e que é aquele que também pregou ao Ministro das Finanças da Etiópia, e que o batizou — foi o primeiro a chegar à Samaria e a pregar; fazendo também grandes milagres; o que trouxe grande alegria àquele lugar.

Ora, ali estava certo homem chamado Simão, o qual era respeitado como grande figura, considerado o Grande Poder, e que na História é mencionado por Irineu como realmente tendo tido um expressivo número de discípulos, garantindo que Jesus era a Palavra de Deus, mas que ele, Simão, era o Espírito, o poder do divino, na forma masculina, já que Helena, uma ex-prostituta que era sua mulher e com ele andava, era afirmada por ele como sendo a dimensão do divino no feminino; visto que ela fora uma prostituta, e que agora era uma deusa, mostrando assim que o Espírito tem o poder de incluir a todos. Simão, porém, seria a manifestação mais divina dessa nova “emanação” de Deus.

O livro dos Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas, o historiador de Paulo e grande amigo dele, nos diz que Simão ouviu, viu, creu, foi batizado, e passou a seguir a Pedro, João e Felipe bem de perto — isto porque Pedro e João haviam descido até a Samaria para ver o que estava acontecendo —; ficando extasiado com o fato de ver não somente os milagres, mas ante a constatação de que os apóstolos impunham as mãos e as pessoas recebiam o dom do Espírito Santo, que se manifestava, para testemunho aos que viam, mediante sinais sensoriais, como o falar em outras línguas.

Foi então que Simão, vendo a sinceridade de tudo, foi tomado pelos seus vícios de alma, pela sua Síndrome de Onipotência e de Lúcifer; pois, percebendo que aquilo era lindo, viu também que, no caso de um homem como ele, deveria se transformar num grande negócio.

Assim, a ganância de Simão venceu sua breve alegria!

Ele, que já havia sido considerado muito grande, e que a si mesmo chamava de “O Grande Poder”, não tendo nada mais importante dentro de si mesmo do que avidez por poder, status e dinheiro —, ofereceu dinheiro a Pedro, para que ele, Simão, também recebesse aquele poder de conceder o Espírito pela imposição das mãos.

Simão ficara impressionado pelo fato de que ele era um mágico do status de um David Cooperfield, e sabia o que era verdadeiro e o que era falso no mundo sobrenatural e da ilusão; posto que ele era um grande mestre da ilusão.

Agora, entretanto, ele via algo sincero e verdadeiro realmente acontecendo. Todavia, em razão de sua Síndrome de Onipotência e de Lúcifer, além de ter estímulos orgásticos ao fazer o povo delirar — Simão, que sabia que tudo quanto ele fazia era fake, viu no poder do Espírito Santo um “novo mover”, uma nova chance de renovar o repertório; e algo que não era espetáculo “de um indivíduo” apenas, mas, muito além disso, era um poder que se fazia sentir nos outros — o que certamente daria a ele, Simão, muito mais poder ainda; quem sabe até concedendo-lhe a chance de ter sua própria “igreja”, conforme Irineu mais tarde diria.

“Concede-me também a mim este poder” — pede ele a Pedro, oferecendo-lhe dinheiro como pagamento pela compra da benção.

Pedro diz que o dinheiro dele fosse com ele para a perdição; pois, Deus e Seu dom não estavam à venda. Portanto, afirmava que o mágico não teria parte naquele ministério; pois seu coração era cheio de maldade e que o intento de seu coração era perverso.

Além disso, Pedro enxergou angustia de morte na alma de Simão, ao dizer-lhe que sua alma estava em fel de amargura e laço de iniqüidade; e isto não sem dizer ao ser ganancioso que se arrependesse, na esperança de ser curado de seu vício essencial, de sua Síndrome de Onipotência e de Lúcifer.

Simão apavorou-se e pediu que eles, Pedro e João, orassem por ele, para que nenhum mal viesse sobre ele.

É de Simão que vem a designação humana desse pecado de tentar comprar as bênçãos de Deus. Trata-se do Simonismo.

Entretanto, pergunto:

O que teria acontecido se Pedro tivesse ficado também tentado, não pelo dinheiro, mas pelo poder que ganhara sobre Simão, o Grande Poder — bem conhecido na Samaria e fora de Israel — e tivesse “vendido” a encenação da concessão do Espírito Santo?

A resposta é simples:

Um “Cristianismo” de versão IURDIANA teria nascido há quase dois mil anos!

Um livro apócrifo chamado de “Os Atos de Pedro” continua a narrativa que o livro dos “Atos dos Apóstolos” encerra. E acrescenta que Simão teria prosseguido em seu caminho, vindo, posteriormente, a desafiar a Pedro, tendo levitado diante do apóstolo e de uma grande multidão. Mas Pedro teria orado, e Simão teria despencado ao chão; tendo sido depois disso apedrejado pela multidão.

É obvio que tudo isto é “apócrifo”; servindo para mim, aqui, apenas como uma ilação acerca do que poderia ter acontecido a Simão. Isto por que, como disse, o livro de “Atos” não diz nada. Deixando que Simão entre para a história como uma Dúvida.

Sim, os “Simões” são Dúvida!

Eles podem até ser batizados. Eles amam o sobrenatural. Mas eles são viciados na ilusão e na manipulação. Têm Síndrome de Grande Poder. Assim, não se sabe o que lhes acontecerá no coração quando são confrontados pela verdade da sinceridade pura do Evangelho.

Quando Pedro disse “arrepende-te”, obviamente ele estava afirmando uma difícil, porém, real possibilidade. Digo isto porque a conversão de gente acostumada à manipulação do ilusionismo ou do sobrenatural é algo muito complicado. A maioria está viciada na heroína do poder. Entretanto, pode ser que se arrependam.

Pedro, entretanto, nos diz como a alma de Simão estava. O que havia nele era fel de amargura e laço de iniqüidade.

Fel de amargura equivale à mágoa e complexo de inferioridade. Daí ele querer poder; e mais que isto: se chamava de O Grande Poder.

Já o laço de iniqüidade é o “estado mental reprovável”; e que é um processo vicioso de pensar, ver e sentir.

Simão é um prato cheio para a Psicanálise também!

O que nós temos hoje em boa parte do meio chamado religiosamente de “cristão” é a prevalência do pior: Pedro vendeu a benção e Simão comprou!

E mais: no momento em que Pedro “vendeu”, vendeu-se para Simão. Assim, agora, Simão é o chefe de Pedro. Este é o nível da perversão.

Que Deus salve Pedro!

Que Deus salve Simão!

Que Deus livre Pedro de virar Simão!

Que Deus converta o Pedro que se tornou Simão!

Que Deus nos salve do Engano de Simão!

NEle,

Caio

A igreja de Simão, o mágico, venceu a parada? – Caio Fábio