Agradeço a Deus pelos neo-ateus

julho 27, 2010

trechos de um sermão de Michael Dowd

O Deus que Richard Dawkins diz ser uma ilusão, é uma ilusão! Esta forma de pensar a respeito de Deus, reflete uma visão de mundo da Idade do Bronze, ultrapassada, na qual temos acreditado cegamente por gerações, simplesmente porque alguém disse ou porque nossas tradições nos ensinam isso. Os literalistas bíblicos estão dirigindo pessoas pensantes para fora da igreja.[…]

[…]Felizmente, essa ideia de Deus é tão real quanto a do Papai Noel. Não importa o que está escrito, Deus não é um terrorista sobrenatural.[…]

[…]Quando nós cristãos interpretamos a escritura literalmente, estamos depreciando a bíblia e desonrando Deus. Nossa melhor orientação moral vem do que Deus está revelando hoje, por meio de evidências, não de tradições ou autoridade ou velhas histórias míticas.[…]

[…]Deus ainda está falando, e o fato é que a língua nativa dEle – não é o hebraico, ou grego ou o inglês da versão King James. Valorizar o que foi revelado milênios atrás, para pessoas que pensavam que a Terra era plana, mais do que o que tem sido revelado por Deus hoje, para pessoas que sabem que não é, é uma receita para o desastre.

Bestselling Author Launches Radical New Sermon Series in Oklahoma

O fato é que na época em que a bíblia foi escrita, as pessoas viam o mundo desta forma como descrita na bíblia. É um erro julgá-las nos baseando para isso, nos nossos conhecimentos atuais. Eu pelo menos, não esperaria que Deus inspirasse homens da Idade do Bronze, a escrever um tratado de física quântica. É óbvio, evidente, que as pessoas que escreveram, tinham conhecimento limitado tanto do mundo que as rodeava, quanto de Deus. Afinal, apesar de Deus ser o mesmo, as pessoas não eram as mesmas, o mundo não era o mesmo, e qualquer tentativa de explicá-Lo, é apenas isso, tentativa, limitada pela nossa humanidade, nossos preconceitos, nosso conhecimento, seja na Idade do Bronze, seja no século XXI. Assim como, ao mesmo tempo em que colocaram no texto bíblico a cosmovisão da época e da região, também incluíram números e nomes que possuem eles mesmos os seus significados. Os autores da bíblia juntaram à descrição da cosmologia da época, significados espirituais e simbólicos. É um erro contar o tempo levando em conta os números citados na bíblia, como por exemplo, o número de gerações até Jesus ou etc, porque aquele número de gerações não pretende ser uma contagem temporal exata, tem significado simbólico.

E já basta dessa conversinha ridícula, de dizer que a ciência ou os cientistas querem tirar Deus ou a religião da vida das pessoas. O que a ciência e os cientistas querem (de novo), é que a ciência seja neutra, e não obrigada a adotar algum tipo de explicação metafísica ou sobrenatural. Mesmo porque, como já falei aqui, haveria várias versões de ciência, misturando religiões, ideologias e o escambau; e não uma só versão neutra, como deve ser.

Ter Deus presente na sua vida, ou participar de uma religião qualquer, é uma escolha pessoal, e a ciência não diz nada a respeito disso. Os cientistas estão totalmente corretos quando se manifestam de alguma forma, se religiões e religiosos, tentam incluir metafísica e filosofia no meio de explicações científicas e querem, à força, tornar obrigatório que esse conjunto seja visto como ciência, e ensinado em escolas como ciência, substituindo a verdadeira ciência, quando não é ciência nem pode substituí-la.

É muito simples de entender as razões da revolta de alguns cientistas contra a religião. Até eu, sou contra essa religião que tenta impor cosmologias ultrapassadas, ou gera terroristas, ou que deixa as pessoas piores do que já são, mais intolerantes, em vez de trazer avanço pessoal e levá-las a viver em paz com todos, mesmo aqueles que não concordam com o que acreditam. Religiosos sabem disso muito bem, embora muitas vezes a história que contam, seja bem diferente.


Implicações teológicas de uma criação em evolução

julho 26, 2010

por Keith B. Miller

O debate criação-evolução solapou a energia vital da comunidade cristã. Em vez de construir o Reino de Deus, tem sido, ao meu ver, tanto destrutivo para a unidade do corpo de Cristo, quanto uma distração com relação à verdadeira missão desse corpo, ordenada por Deus. Essa missão é viver como portadores da imagem de Deus,  administrando Sua criação e proclamando Sua mensagem de reconciliação para o mundo.

No debate a respeito do entendimento adequado do relato de Gênesis, maior atenção tem sido dada aos méritos científicos dos vários cenários da criação. O que tem sido amplamente deixado de lado nesses debates, é uma consideração das implicações teológicas dessas várias interpretações, para nosso entendimento a respeito do caráter de Deus, o relacionamento de Deus com sua criação, e o nosso relacionamento com o restante da criação. Afinal, é a essas questões básicas que o relato de Gênesis é primeiramente, se não exclusivamente, se refere. Adicionalmente, muita da resistência à cosmologias evolucionárias entre cristãos evangélicos, é um conflito percebido com as doutrinas fundamentais da fé. Por essas razões, vou trabalhar diretamente com as implicações teológicas do que prefiro chamar o ponto de vista da criação contínua. O termo “criacionismo contínuo” tem sido usado, tanto por Wilcox e Moltmann, como um rótulo útil para uma visão totalmente teísta de uma criação que possui uma ininterrupta e longa história criativa. De acordo com esse ponto de vista, Deus está continuamente atuando na sua criação por meio dos processos que investigamos com nossas ciências.

Integridade da criação de Deus

Creio que é muito importante reconhecer o trabalho de Deus no meio natural, Sua criação, como uma fonte de verdade a respeito do Criador. A fé em um Deus racional e ordenador, cujos trabalhos de criação são ordenados e compreensíveis para as criaturas nas quais ele investiu sua própria imagem, é fundamental para a prática da ciência moderna.  Se o mundo natural não contém um registro confiável de sua história passada, em que bases pode ser estudado e com qual propósito? Ainda mais importante, o que esse mundo poderia nos comunicar a respeito do caráter do seu Criador?

A criação de Deus, como revelação às suas criaturas sobre quem Ele é, pode proporcional um registro acurado da atividade criativa de Deus: da forma como o universo realmente foi e é. Mudanças progressivas ao longo do tempo, tanto na cosmologia, geologia ou biologia, é a conclusão esmagadora da leitura do registro da criação. Colocado desta forma, qualquer cenário de “criação com idade” é insustentável.

Um registro verdadeiro e compreensivo da criação, afirma tanto o significado da história natural quanto o da história humana. O cristianismo é fundamentalmente uma religião histórica, e nosso entendimento sobre Deus é baseado em Sua interação histórica com Seu povo. A história humana flui para trás perfeitamente junto com a história natural, e qualquer um que coloca em dúvida a validade desta última (a história natural), ameaça também nossa confiança no Criador.  Como colocado por Menninga “… se aceitamos o conceito de “idade aparente”, ficamos sem nenhuma garantia sobre a realidade de qualquer outro registro histórico.” A integridade da criação confirma a confiabilidade do caráter de Deus. O Deus revelado na natureza é o mesmo que revelou a Si mesmo na Escritura e em carne humana – isto é, o Deus da história e o Deus da verdade.

Enormidade da criação de Deus

Nosso contínuo desenvolvimento do entendimento científico sobre a história cósmica, ao invés de ser visto como reduzir Deus a alguma distante e irrelevante “causa primeira”, deve produzir temor diante dos incalculáveis poder e sabedoria de Deus. O Deus ao qual oramos exerce seu poder criativo a uma distância tão grande, que a luz requer bilhões de anos para atravessar essa distância, e o Deus para o qual oramos, tem moldado e dirigido Sua criação por bilhões de anos. Quando Deus procurou comunicar Sua transcendência, poder e autoridade à Jó, instruiu-o a contemplar o universo criado. Quando contemplamos o universo hoje, não deveríamos, mais do que Jó, ser esmagados pela grandeza de Deus?

A imensidão do universo, tanto no espaço quanto no tempo, enfatiza, da forma mais marcante, o quanto a humanidade é pequena.  Em comparação ao universo físico que a ciência procura conhecer, somos absolutamente insignificantes. Apesar de ter vivido numa época em que o universo era percebido coo se fosse muito menor, Davi pôde dizer: “Quando considero o céu, o trabalho das suas mãso, a lua e as estrelas, os quais você colocou no lugar, o que é o homem para que esteja atento a ele, e o que é o filho do homem para que você cuide dele?” (Salmos 8:3-4). A vastidão incompreensível do universo, enquanto nos força a encarar nossa pequenez, enfatiza ao mesmo tempo a graça de Deus, em nos fazer à Sua imagem  e nos chamar a ter comunhão com Ele.  Além de todas as expectativas e possibilidades, Deus escolheu nos amar e se identificar conosco.[…]

[…]Nossa própria transformação à imagem de Cristo é um processo, até mesmo doloroso, e não algo que ocorre instantaneamente após nossa conversão. Ele mesmo nos comissionou, criaturas tão pecadoras, para ser agentes do seu trabalho de redenção.  A eficiência claramente não é uma prioridade na atividade redentora de Deus; porque deveríamos requerer que Sua atividade criativa fosse assim?[…]

[…]Morte e sofrimento não precisam ser entendidos como corrupções satânicas da ordem da criação. Ao contrário, ambos refletem a natureza de um Deus que sofreu e morreu pela vida das Suas criaturas.  Vida da morte – esse é o padrão bíblico e o padrão da criação. Há congruência aqui, e não um contraste irreconciliável. No mundo natura, a vida surge do material morto, a própria Terra é formada de materiais originados em cataclismas de estrelas. A imagem da ressurreição é vista em toda parte. Que um Deus que se fez carne e morreu pela vida das Suas criaturas, tenha planejado o mundo desta forma, me parece a mais perfeita das metáforas cósmicas.[…]

[…] Entender o significado do nosso domínio como criaturas feitas à imagem de Deus, tem que ser com base na Escritura. A igreja, entretanto, tem com frequência adotado o ponto de vista da dominação – ou seja, poder demonstrado e exploração egoísta. Temos muitas vezes tratado a criação como um inimigo que requer controle à força ou como uma fonte inesgotável de recursos para serem usados para o nosso prazer. O ponto de vista a respeito disso, em total contraste, é o do serviço sacrificial. O modelo do Antigo Testamento, do rei que socorre os oprimidos e tem compaixão pelos necessitados, fracos e aflitos. Como cristãos, nosso modelo deve ser aquele expressado por Cristo, em cuja imagem nós temos que nos basear. E Cristo exerceu sua autoridade divina como servo, em compaixão e humildade. Esta é a regra para o nosso domínio sobre as criaturas não humanas!

A aplicação da imitação de Cristo como nossa regra para exercer domínio sobre o resto da criação, é radical, porque se opõe ao egocentrismo e materialismo da nossa sociedade. Cristo nos chama a carregar nossa cruz, negar a nós mesmos e viver de forma sacrificial a serviço de outros. Em seu livro Imaging God, Douglas Hall pergunta, “O que os poderosos deste mundo fazem do domínio de um Senhor que chora, um pastor que dá sua vida pelas ovelhas, um rei montando num jumento que foi ridicularizado, julgado e executado pelos poderes da época?  E o que pode significar para nós imaginar o domínio de um rei desses na nossa vida com o restante da criação?” Esta pergunta clama por uma resposta por parte da igreja.

O reconhecimento da nossa posição como imagem de Deus pode fazer da igreja uma força poderosa para a gestão ambiental, mas a igreja tem permanecido em silêncio.[…]

Theological implicantions of an evolving creation – Keith B. Miller

Não traduzi o texto inteiro, quem quiser ler a íntegra, favor acessar o link logo acima.


Quando a “defesa da fé” se transforma em obsessão e vaidade…

julho 24, 2010

Já falei na postagem anterior, que estou lendo Jürgen Moltmann. Pois bem. Num de seus artigos, ele relata como os dois irmãos, Alyosha e Ivan, personagens do livro “Os irmãos Karamazov” de Dostoievski, representavam o conflito que o próprio Dostoievski vivia, entre simplesmente se submeter como o crente Alyosha, ou se rebelar contra Deus, como o cético Ivan. Nesse texto, Moltmann argumenta que a teologia cristã não é feita só por aqueles que professam ter alguma crença. Segundo ele, teólogos são todos aqueles que creem e pensam sobre suas crenças. Para ele, ateus como Ivan, que lançam protestos e argumentos contra Deus, também estão fazendo teologia. Abaixo seguem trechos do texto de Moltmann:

Ateístas que têm alguma coisa contra Deus e contra a fé em Deus, geralmente sabem muito bem quem e o que eles estão rejeitando, e têm suas razões. O livro de Nietzsche, O Anticristo, tem muito a ensinar-nos sobre o verdadeiro cristianismo; e as críticas modernas à religião, como as feitas por Feuerbach, Marx e Freud, são ainda teológicas em sua anti-teologia.Além disso, existe o ateísmo de protesto, que luta com Deus como Jó fez, e que por causa do sofrimento das criaturas que clamam ao céu, negam que haja um Deus justo que governa o mundo em amor.  Este tipo de ateísmo é profundamente teológico, pois a questão da teodiceia – “Se existe um Deus bom, porque existe tanto mal?” – é também a questão fundamental de toda teologia cristã que leve a sério as palavras que Jesus dirigiu a Deus, quando estava morrendo na cruz:

“Meu Deus, por que me abandonaste?” Dostoievski apresenta de forma esplêndida essas duas faces da teologia, o lado daquele que crê e o lado do que duvida, em dois dos irmãos Karamazov, Alyosha e Ivan.  Um se submete, o outro se rebela. A história que Ivan conta para ilustrar o porquê da sua rebelião contra Deus é horrível. Um fazendeiro russo atiça seus cães contra um menino. Eles o matam, fazendo-o em pedaços diante dos olhos da mãe do menino. “Que tipo de harmonia é essa onde existem infernos como esse?”, acusa Ivan, e continua, “Existe alguém no mundo inteiro que possa perdoar algo assim, e que tem permissão para perdoar?

Moltmann argumenta que as dúvidas, quando aparecem, não devem ser sufocadas, e sim, admitidas. Que o Ivan que habita dentro de cada cristão, deve se expressar, para que possa ser superado. As dúvidas, reclamações, protestos, precisam ser expressos pela pessoa que os tem, porque isso se faz necessário para o crescimento na fé. E que a teologia só é verdadeira, quando leva em conta os questionamentos, indagações, protestos, dúvidas e etc dos “teólogos ateus”. Um teólogo cristão, de acordo com Moltmann, não deve apenas conhecer os devotos e religiosos. Ele deve conhecer os ateus, agnósticos, céticos também, pois está correlacionado com eles. Então, ele precisa saber o que a “bancada ateísta” da teologia está perguntando, quais são as suas acusações contra Deus,  questionamentos e dúvidas. Muitas vezes, as dúvidas e indagações dos ateus, são as mesmas dele, embora nem sempre saiba expressá-las de forma tão clara e incisiva como os ateístas costumam fazer. O próximo passo dele, seria tentar colocar mais um tijolo na construção da teologia, de forma a tentar responder aos questionamentos ateístas. Ou fazer ainda mais perguntas.

O problema de quando se tenta colocar mais tijolos nessa construção humana que é a teologia, é que corre-se o risco de que alguém, que antes era bem intencionado, acabe se transformando num obcecado por debater com ateístas. Ou num espertalhão, que faz de supostas obras de “apologia”, meios de ganhar a vida.

Há muitos cristãos por aí, que debatem com ateus por pura vaidade, sem nenhum outro propósito além de disputar o troféu de “mais inteligente”. Ficam obcecados com isso, gastam várias horas do seu dia batendo boca com ateus pela Internet. Algumas vezes, para alcançar seus objetivos, usam de golpes baixos, ofensas pessoais, ridicularização, tentativas de desqualificar seu oponente. O interesse deles, não é  saber o que o ateísta pensa, para tentar oferecer respostas satisfatórias (como o teólogo que quer fazer boa teologia, segundo Moltmann, teria que fazer), e sim, ser aclamado pelos seus iguais como “grande debatedor”, mesmo que tudo que ele saiba fazer num debate, é ataque pessoal e tentativa de desqualificação. Ou seja, não sabe o que é debater, e transforma o que devia ser troca de ideias, numa guerra verbal que não vai chegar em lugar nenhum.

Quanto ao outro tipo, o espertalhão, esse já quer é ficar bem longe dos ateístas. Prefere expor seus supostos “conhecimentos científicos” apenas diante de plateias de crentes, para os quais tenta, na sequência, vender seus livros apologéticos, apostilas, DVDs e outros materiais do gênero. Dificilmente ele vai querer ser sabatinado por uma plateia de ateístas. Não passa de alguém com uma imensa capacidade de “enrolatória” (trocadilho com “oratória”), um praticante de “embromation”. A parte triste, é que muitos dos que ouvem as palestras, ou leem os livros e artigos desses espertalhões, acabam fazendo a imensa bobagem de tentar debater com ateus, repetindo ingenuamente o que o tal “apologista” disse. E o resultado disso, é que são humilhados e ridicularizados pelos ateístas. Coisa que nunca acontece com o espertalhão, porque ele mesmo dificilmente se expõe diante de ateus.

A tentativa de construir teologia, ou defender a fé, pode transformar teólogos e apologistas em monstros obcecados e vaidosos… Por isso, é bom sondar os próprios propósitos, e os próprios métodos. Mesmo que a intenção seja boa, os fins não justificam os meios. Distorcer, mentir, ser desonesto, ofender, fazer ataques pessoais, não são bons métodos. Disputar com ateus para tentar descobrir quem é mais inteligente, ou desejar ser incensado pelos crentes como “grande debatedor”, não são bons propósitos.

Link para o texto de Jürgen Moltmann que citei na postagem:

Godless Theology – Jürgen Moltmann


Força da fraqueza…

julho 23, 2010

trechos do texto de Suzel Tunes, sobre a teologia de Jürgen Moltmann

[…]”Uma Igreja que pensa apenas em salvar almas e se desconecta da realidade não tem futuro, só tem passado“, disse Moltmann na entrevista coletiva. Mas o que os cristãos e cristãs podem fazer diante de um cenário religioso marcado pela alienação, pelo individualismo e pela intolerância? – perguntei.”Levantar e lutar!” — foi a resposta incisiva, mas dita com um sorriso simpático. Aprendi com Moltmann que a resistência é fruto da esperança. E a resignação é um sinal de morte, e fruto do pecado. Pecado? Sim, Moltmann associa apatia ao pecado pois, para ele, o pecado não é simplesmente uma falha moral, mas o distanciamento do Deus da Vida – é, portanto, a morte em vida. “Uma pessoa pode se tornar tão apática e indiferente que não é mais capaz de sentir nada: nem alegria, nem dor. Então não se vive mais, torna-se como que um morto-vivo”. Recordando um ensinamento de Cristo, pecado não é apenas o mal que fazemos, mas o bem que deixamos de fazer, diz ele. Portanto, é também, a “indolência do coração”, a “tristeza dos sentidos”, a apatia que nos torna mortos vivos  incapazes de praticar o bem. Ele disse: “Deus espera muito de nós, mas confiamos pouco em nós mesmos”.

Para o teólogo, muitos milagres estão ocorrendo em nossos dias. O fim do stalinismo, o fim do apartheid, a queda das ditaduras na América Latina e, nesse momento, o fracasso do modelo capitalista neoliberal. Ele espera que, agora, o mundo seja capaz de desenvolver um capitalismo social no qual o Estado esteja mais presente na regulamentação dos processos econômicos e sociais. “Estamos na Alemanha tentando desenvolver uma economia de mercado social e ecológica, a fim de que o mercado seja mais humano – e não que o ser humano seja sacrificado ao mercado”, diz ele. “Há muitas oportunidades para desenvolver um mundo mais justo e mais livre. E os cristãos podem contribuir muito para isso”. Só que a maioria dos cristãos está esperando o céu, não um mundo de justiça, lamenta Moltmann. “A maioria das pessoas acredita que ser espiritual é apenas orar. Sim, nós devemos orar e ficar atentos. Em vez de fecharmos os olhos, abri-los à realidade”.

O que ele chama de realidade consiste em realidade e potencialidade. O que vivemos hoje traz embutido um futuro de possibilidades. O presente é a linha limítrofe na qual as possibilidades se realizam – ou são desprezadas. E isso depende de nós. Mas, como percebemos as nossas possibilidades? Segundo o teólogo, pela nossa capacidade criativa, imaginação, coragem e esperança. “Para viver com esperança é preciso desenvolver o senso de possibilidade. Então podemos transcender nossa realidade e alcançar o reino das possibilidades”. Ele lembra que as promessas divinas entram constantemente em contradição com a realidade vivida. Mas depois da cruz, vem a ressurreição. “A esperança cristã não é otimismo. A esperança nos conforta e nos habilita a resistir. Não capitularmos, mas nos mantermos de pé. Nos mantermos insatisfeitos e inquietos com o mundo injusto”.

Se a apatia é sinal de morte e fruto do pecado, é na esperança que a razão humana encontra o despertar dos sentidos. “Assim como na experiência de uma grande tristeza nossos sentidos se apagam e não podemos mais ver qualquer cor, ouvir nenhum tom e perceber o paladar, parecendo mortos-vivos, assim também se abrem os nossos sentidos novamente quando respiramos o amor de Deus. Nós vemos de novo este mundo multicolorido, nós ouvimos novamente melodias, recuperamos nosso paladar e todos os sentimentos. Somos tomados por uma grande aceitação da vida, aceitação do Espírito vital divino”, diz Moltmann.

Para o desenvolvimento desta nova vida, precisamos nos movimentar em Deus e precisamos que Deus more em nós. Essa morada de Deus na terra é promessa bíblica, descrita no Apocalipse por meio da imagem da “Jerusalém divina” que desce sobre a terra. “Por conta dessa Shechinah de Deus, tudo precisa ser recriado e preparado. Então serão enxugadas todas as lágrimas, o sofrimento e pranto vão passar e a morte não existirá mais (Ap.21.5). Mas Moltmann disse também, citando 2 Pedro 3.12, que devemos “aguardar e apressar” o futuro de Deus. Aguardar énão se conformar às condições de injustiça e não reconhecer as forças daquilo que é factual. “Aguardar significa nunca se resignar, nem entregar-se a si mesmo”. E apressar é superar a realidade presente e antecipar o futuro do novo mundo de Deus exercendo a justiça concretamente no cotidiano.[…]

Leia o restante do texto aqui: Da fraqueza ele tirou força… A teologia da esperança de Jürgen Moltmann

Estou lendo um livro de Jürgen Moltmann… quando acabar, posto aqui… ; ]


Para mudar é preciso coragem…

julho 22, 2010

Dia desses, por puro acaso, fazendo uma busca no Google, li algumas coisas sobre Eberhard Arnold, um escritor, filósofo e teólogo alemão, contemporâneo de Karl Barth e Martin Buber. Por curiosidade, acabei baixando uma biografia sobre ele.

Descobri que ele havia se transformado, de um defensor entusiasta da Primeira Guerra Mundial e do “espírito alemão”, como se ela fosse uma “cruzada”, uma “guerra santa” contra o império de Mammon, representado então pelo império britânico, num pacifista radical, que dizia que cristãos não deviam servir a exércitos. Abaixo, alguns trechos da sua biografia, onde fica demonstrado qual era o seu pensamento na época em que a Primeira Guerra Mundial começou:

“Eberhard titled his first article after the outbreak of war “God Speaks in Serious Times.” In the opening paragraphs he borrowed a statement from his father: “World history is world judgment.” As a nineteen-year-old Eberhard had rebelled with every sinew of his being against this viewpoint. Now, at thirty-one, he had lost his youthful edge. Had he grown more staid and middle-class? It almost seems so, judging by his explanation of the war to readers of the Evangelical Alliance Magazine: “God wants us to recognize that this war, the most terrible the world has ever known, is a proof of his goodness, patience, and long-suffering.”

A full year into the war he still wrote that the war was “from God,” contending that God was pursuing a “vein of good,” which in this case was “the defense of righteousness by the more righteous of the warring governments.” His theological basis began to take a dubious slant. “Because unrighteousness has gained the upper hand in recent years, we must consider every war as a merciful check against the satanic and anti-Christian powers, and as directed against evil.” Shortly afterwards he wrote on the same theme that “Satan and his spirits must be fought with the weapons of violence and wrath, war and the sword, fire and brimstone.” Through such words as these, Eberhard had fallen back on a Gnostic pattern of thought as a recourse to bolster his war theories: God will win in the final battle, but only by a hair’s breadth. God bears responsibility for the fight, but the devil prescribes the weapons of battle.

This is the essence at the core of his war premise, and it is not without a certain dramatic effect. It does, however, present various drawbacks, the most obvious being that it is simply not Christian. Only drastic distortion can bring it to any biblical foundation. Furthermore, such a statement is incomplete and illogical. Wasn’t it actually the war itself that had unleashed satanic and anti-Christian forces? At the end of the first year of the war, hundreds of thousands had already bled, burned, or suffocated to death in Flanders, in Champagne, in Alsace, and in Galicia. Proofs
of God’s goodness, patience, and long-suffering?…[…]

[…]As a further speculation, is it possible that Eberhard was subconsciously resisting his foreign ancestry? In his writings during the first years of war his harsh, anti- English criticisms are especially disconcerting. He saw “inward powers collapsed and buried in England and America” – not so, of course, in Germany. He discovered “greed and envy” in England – and only there. For him it was “a fact that service of Mammon was the outstanding characteristic of the English mindset – life aimed at advantage and advancement, pleasure and enjoyment.” In a book review he wrote, “The incapacity to rise above pragmatism is typical of the English.” He tore Bacon, Hobbes, and Locke to bits.16 Finally, he rejoiced that the war had at last made possible “a complete release from the superficiality of English hymns.” This was said in reference to favorite revivalist hymns in German translation, hymns such as “What joy it is to be redeemed” and “I know a river whose glorious waters.” He and Emmy had been happy to sing these songs in earlier days, but now Eberhard claimed that they “took away from the clear and certain proclamation of the Lord.” Reading this today it seems almost too farfetched to be taken seriously – and seems all the more ludicrous in light of Eberhard’s English heritage on his father’s side, and his American grandfather.

Depois, parece que ele subitamente acordou, começou a ver os maus frutos que a guerra havia produzido, e quão pouco cristão parecia ser esse uso de violência, armas e força bruta. Mergulhou no Novo Testamento, entrou num período de reflexão profunda, e se deu conta de que estava errado, profundamente errado sobre o que tinha escrito em defesa da guerra. E corajosamente, assumiu o erro, retirando de seus escritos, todas as defesas entusiasmadas daquilo que antes ele imaginava ser uma “guerra santa”, “cruzada contra o mal”. E se transformou num opositor ferrenho dessa mesma guerra que havia defendido. Ele descobriu que a guerra, longe de ser um instrumento de Deus, para levar pessoas ao arrependimento como pensava antes, tinha levado as pessoas à selvageria e degradação ainda maiores. A guerra tinha afastado ainda mais as pessoas de Deus. Descobriu que o nacionalismo (assim como todo tipo de “ismo”) era uma ilusão.

Now Eberhard speaks of “the deceiver of mankind, the father of lies, the murderer from the beginning, who is the original instigator of this war, this dreadful experience of increased sin and increased death.” He has seen his error, and he no longer calls a thing white when it is black. The war cannot be evidence of God’s goodness and patience because God does not want any person to die, but wants rather that each should find repentance and live. “This is the upheaval worked by repentance: this conversion from the spirit of darkness to the spirit of Light, this redemption from all delusions and blindness.” This includes the delusion of nationalism too. It is almost as if Eberhard were preaching to himself: “In cultural and political life as well, this upheaval must find expression as peace, justice, and love.”

Que mudança! E convenhamos, isso se parece bem mais com o que Jesus fez e ensinou. Imagino que deve ter precisado de muita coragem, não só para reconhecer seu erro, mas também para deixar claro, publicamente, que estava errado, mesmo com todas as consequências que isso teve para a sua vida e a vida da sua família, anos mais tarde. Pode-se dizer então, que a guerra pelo menos tinha servido para que os seus olhos fossem abertos, e ele mesmo fosse levado a se arrepender.

Outro que também passou por coisa parecida, foi Dom Óscar Romero, depois que foi nomeado arcebispo de San Salvador, El Salvador, em 1970. Foi escolhido como arcebispo, justamente por seu conservadorismo. Mas a morte de um amigo, também padre, Rutilio Grande, em 12 de março de 1977, assassinado por militares, foi o estopim que o fez acordar para o absurdo, a violência e os crimes que estavam sendo cometidos pelo regime militar em El Salvador. Entendeu que, como pastor, seu papel era defender o povo, de toda aquela violência perpetrada pela ditadura militar, custasse o que custasse. Sua mudança de opinião, custou-lhe a vida. Foi assassinado em 1980, dentro da capela de um hospital.

We will be firm in defending our rights – but with a great love in our hearts, because when we defend ourselves with love we are also seeking sinners’ conversion. That is the Christian’s vengeance.

One of the signs of the present time is the idea of participation, the right that all persons have to participate in the construction of their own common good.

For this reason, one of the most dangerous abuses of the present time is repression, the attitude that says, “Only we can govern, no one else; get rid of them.”

Everyone can contribute much that is good, and in that way trust is achieved. The common good will not be attained by excluding people. We can’t enrich the common good of our country by driving out those we don’t care for. We have to try to bring out all that is good in each person and try to develop an atmosphere of trust, not with physical force, as though dealing with irrational beings, but with a moral force that draws out the good that is in everyone, especially in concerned young people.

Thus, with all contributing their own interior life, their own responsibility, their own way of being, all can build the beautiful structure of the common good, the good that we construct together and that creates conditions of kindness, of trust, of freedom, of peace.

Dom Óscar Romero

Um crente que segue a teologia da prosperidade, lendo a história desses dois homens, dirá talvez: QUE OTÁRIOS!