Deborah Caldwell entrevista Bart D. Ehrman para o Beliefnet.com, sobre o livro “The Lost Christianities: The battles for Scripture and the faiths we never knew“.
O seu livro aborda questões hipotéticas sobre o que teria acontecido ao Cristianismo, e por extensão, à história mundial, se um tipo diferente de Cristianismo tivesse sobrevivido. Quais são seus melhores palpites a respeito disso?
Depende de qual dos lados for o vencedor. Os Marcionitas decidiram que tudo que era judaico devia ser retirado do Novo Testamento e que a bíblia judaica já não era parte a ser considerada das escriturs. Eles achavam que havia dois deuses diferentes – o Deus dos judeus e o Deus de Jesus. Se tivessem vencido, então nós não teríamos mais o Antigo Testamento e não haveria conexão entre o Judaísmo e o Cristianismo. Meu palpite é que se isso tivesse acontecido, o anti-Semitismo não teria se desenvolvido entre os cristãos. O que alimentava o anti-semitismo era a competição entre o entendimento judaico da escritura e o entendimento cristão da escritura. Se não houvesse competição porque eles não teriam as mesmas escrituras, então é bem provável de que jamais teríamos qualquer tipo de anti-Semitismo.
Você acredita que uma versão Marcionita do Cristianismo teria se tornado uma religião espalhada mundialmente como o Cristianismo é hoje? Ou você acredita que o Judaísmo teria permanecido ombro a ombro com essa versão do Cristianismo?
É uma boa pergunta, porque o Cristianismo Marcionita era popular pelos mesmos motivos pelos quais crenças similares são populares hoje. Hoje as pessoas falam sobre como existe diferença entre o Deus irado do Antigo Testamento e o Deus de amor do Novo Testamento. E as pessoas que fazem essa distinção se identificam mais com o Deus de amor do Novo Testamento. Bem, essa é uma distinção Marcionita, porque eles realmente acreditavam que havia dois deuses diferentes, e que era atraente para as pessoas. Os Judeus, no mundo antigo como um todo, realmente nunca foram perseguidos, mas a maioria das pessoas pensava que os Judeus eram um povo um tanto estranho. Assim, se essa religião não tivesse nada a ver com os Judeus e o Judaísmo, poderia ter atraído uma variedade maior de pessoas.
Qual seria a cara do Cristianismo se os Ebionitas tivessem vencido?
Teríamos um Novo Testamento diferente, para começar. Os Ebionitas eram adversários do apóstolo Paulo. Eles pensavam que Paulo era um herege. Uma grande parte do Novo Testamento tem a ver com o apóstolo Paulo e seus escritos. Esses seriam excluídos. Eles teriam mantido talvez o que conhecemos como Evangelho de Mateus, mas talvez não os demais Evangelhos. E isso significa que os cristãos teriam que ser também judeus, onde homens incircuncisos teriam que se circuncidar e as pessoas guardariam a lei dos alimentos kosher e respeitariam o Sabbath, cultuariam aos sábados e manteriam os festivais judaicos. Então o Cristianismo seria mais reconhecido como uma seita do Judaísmo.
O que você pensa que teria acontecido se os Gnósticos tivessem sido os dominantes?
É um pouco difícil pensar a respeito dos Gnósticos, porque havia diversos tipos diferentes de Gnosticismo competindo entre si, assim como competindo com os cristãos, que acabaram prevalecendo sobre os outros. Gnosticismo é uma religião baseada em conhecimento interior, que poderia ter se transformado numa religião de massas ou não, uma vez que você tem um grande grupo de pessoas que não entendem, e uns poucos que entendem. Se os Gnósticos tivessem sobressaído, o Cristianismo teria uma cara bem diferente da que tem hoje.
Talvez mais Budista?
É assim que muita gente vê o Gnosticismo – ele parece como uma religião oriental porque seus praticantes estão interessados em adquirir conhecimento e iluminação, em vez de salvação pela morte de Jesus.
Então você pergunta, se fosse esse o caso, se o Cristianismo teria dominado o mundo como fez.
Sim, exatamente. O Cristianismo teria dominado o império, por exemplo, se fosse esse tipo de Cristianismo? Ou teria permanecido um pequeno grupo de pessoas? Penso que a razão pela qual o Cristianismo dominou o império foi porque o imperador romano – Constantino – se converteu. Seria difícil imaginar Constantino se convertendo a esses outros tipos de Cristianismo.
Por que você pensa que a religião que Constantino escolheu, a forma corrente de Cristianismo – a qual você chama de Proto-ortodoxo – venceu?
Até certo ponto, venceu porque eram debatedores melhores. Cada um desses grupos lutava com os outros em várias frentes, mas os proto-ortodoxos parecem ter se organizado melhor que os outros grupos e parece que tinham intenção de estabelecer um grupo de pessoas semelhantes ao redor do mundo. E então eles acabaram dominando as igrejas nas áreas onde havia mais cristãos, como Roma, eventualmente Alexandria, Egito e Jerusalém.
Quem pertencia aos grupos Proto-ortodoxos?
A maioria deles é totalmente desconhecida para nós pelo nome, mas incluem a maioria dos autores cujos escritos sobreviveram até hoje, fora do Novo Testamento. Eram pessoas como Ignácio de Antioquia e Tertuliano. Essas eram pessoas cujos escritos são bem conhecidos dos historiadores do Cristianismo primitivo.
Muitos proto-ortodoxos, como a maioria das pessoas nas igrejas cristãs, tendiam a ser de classes baixas. Os autores cujos escritos sobreviveram, eram a elite entre os proto-ortodoxos. Eram pessoas de educação avançada e que passaram a escrever. Então, como hoje, a maioria dos cristãos são pessoas comuns. Mas algumas pessoas escrevem livros e se tornam famosas por eles. Muitas delas são muito bons debatedores, e defendem muito bem seus pontos de vista.
Qual era a diferença entre os proto-ortodoxos e os grupos considerados heréticos, em termos de distribuição geográfica?
No segundo século, havia diferentes tipos de Cristianismo em diferentes partes do império, assim, em Alexandria, a maioria das pessoas era Gnóstica – ou na Ásia Menor, onde hoje é a Turquia, a maioria das igrejas era Marcionita. Em locais como os no entorno do que hoje chamamos Israel, a maioria dos cristãos eram Ebionitas. Mas em alguns desses lugares, havia também proto-ortodoxos. Proto-ortodoxos eram claramente a maioria em Roma, e parece terem sido também maioria em Antioquia, na Síria, e em muitos outros lugares.
Essa foi a parte geográfica, mas você tem diferentes tipos de pessoas nos mesmos lugares – por exemplo, em Roma, que era largamente proto-ortodoxa, sabemos que havia Gnósticos lá, e sabemos que os Marcionitas estavam fora.É como hoje: existem Mórmons aqui em Chapel Hill, mas se você for em Salt Lake City, haverá muito mais.
Quando essas batalhas pelo Cristianismo tinham lugar?
As principais batalhas das quais temos conhecimento tiveram lugar aproximadamente 100 anos depois da morte de Jesus, e pelos próximos 50 ou 70 anos. As batalhas se arrastaram até o terceiro século, e durante esse período é que as pessoas estavam formulando argumentações teológicas para seus pontos de vista. Essa formulação de pontos de vista teológicos começou a tomar corpo no início do quarto século, quando os primeiros credos cristãos foram formulados.
Os proto-ortodoxos venceram na época do Concílio de Nicéia, e então os argumentos naquele ponto, eram muito mais sutis pontos de teologia. Todo mundo no Concílio de Nicéia teria concordado que todos os outros grupos eram heréticos.
Quais são algumas das crenças divergentes entre esses vários grupos que hoje são deixados de lado?
Bom, vamos começar pelos Ebionitas. Os Ebionitas eram monoteístas completos, então só há um Deus, e ninguém pode ser Deus, portanto, Jesus não era divino para eles. Jesus era um ser humano totalmente feito de carne e sangue, que era mais justo do que qualquer outro, e foi escolhido como filho por Deus. Em outras palavras, Deus deu a ele a missão de morrer pelos pecados do mundo. Mas ele não era Deus, então os Ebionitas mantiveram seu judaísmo porque pensavam que Jesus era o Messias, previsto por esse Deus único. Eles negavam a divindade de Jesus, rejeitavam os ensinamentos de Paulo, e suas escrituras eram o que hoje chamamos o Antigo Testamento. Eles não pensavam em nascimento virginal ou qualquer outra coisa que pudesse fazer de Jesus qualquer coisa que não fosse humano.
Os Marcionitas tinham exatamente o ponto de vista oposto. Eles pensavam que havia dois deuses. Aceitavam que havia um Deus do Antigo Testamento, que era secundário, inferior ao Deus verdadeiro, que era o Deus de amor, que enviou Jesus ao mundo para salvar as pessoas do Deus do Antigo Testamento. Havia literalmente dois deuses diferentes. Cristãos eram os que seguiam o Deus de Jesus, em detrimento do Deus do Antigo Testamento.
Os Gnósticos acreditavam que os cristãos comuns eram superficiais em seu entendimento e que havia segredos ocultos, mensagens que Jesus transmitiu, que os Gnósticos entendiam. Eram essas mensagens ocultas, quando corretamente entendidas, que traziam a salvação. Em outras palavras, a morte e ressurreição de Jesus não garante salvação – são seus ensinamentos secretos que precisam ser entendidos.
Estou interessado também em saber o que aconteceu durante essas batalhas cristãs. Era apenas guerra verbal por meio de cartas, ou havia violência?
Não penso que havia qualquer tipo de violência física acontecendo. Penso que eram mais como Democratas e Republicanos discutindo sobre alguma coisa ou outra.
Assim como poderiam declarar um vencedor?
Os proto-ortodoxos acabaram vencendo da forma como qualquer ideologia normalmente vence. Se for capitalismo x comunismo, você acaba convencendo a maior parte das pessoas de que você está certo – e elas concordam com você e discordam da oposição. O mundo antigo não possuía mídia de massas, mas tinha, especialmente entre os proto-ortodoxos, um esforço concentrado para gerar literatura para dar suporte aos seus pontos de vista. Como a maioria das pessoas não sabia ler, ouviam alguém lendo. Literatura no mundo antigo era lida em voz alta, e penso que ela teve um papel decisivo na vitória dos proto-ortodoxos, porque escreveram contra os vários tipos de hereges e pareciam convincentes.
Outro tema que encontrei no livro é que os proto-ortodoxos tinham necessidade de martírios, perseguição e sangue. Você acha interessante que isso tenha atraído as pesssoas?
Sim, isso é interessante. O caso é: cristãos adoravam um homem crucificado e os proto-ortodoxos insistiam que, para segui-lo, para realmente segui-lo, era experimentar o mesmo destino. Havia outros grupos de cristãos que argumentaram que Jesus não sofreu de verdade, mas apenas pareceu sofrer. Alguns dos Gnósticos, por exemplo. E eles não pregavam o martírio porque não pensavam que Jesus tinha sido martirizado.
Se você extrapolar aos tempos atuais, os demógrafos da igreja sempre dizem que se você abraçar um conjunto de crenças mais rigoroso para a adesão, as pessoas tendem a ser atraídas nessa direção. Talvez foi isso que aconteceu?
Sim, o Cristianismo realmente prospera entre populações que sofrem. O Cristianismo começou dessa forma, como uma religião minoritária em um mundo muito cruel.
O seu livro é um entre vários que tratam de assuntos semelhantes atualmente, e parece que todos estão interessados nisso. Porque investigar esses Cristianismos alternativos se tornou tão importante?
Penso que há uma grande variação em termos de crença hoje, e que as pessoas buscam respostas para si mesmas. Quando as pessoas descobrem que o Cristianismo sempre teve pessoas tentando encontrar respostas por si mesmas, e que as respostas diferem umas das outras, então elas concluem que o mesmo acontece no mundo moderno.
The Christianity battles – Interview with Bart D. Ehrman about Lost Christianities – Beliefnet.com