Finding Darwin’s God – Kenneth R. Miller

setembro 8, 2011

[…]No início deste capítulo, deixei claro que a crença religiosa não requer que sejam detectadas falhas ou inadequações na evolução. Esta pode não parecer uma ideia radical, mas está longe de ser uma ideia comum. Mais de uma vez, quando religiosos descobriram que sou biólogo, e acharam necessário dizer alguma coisa sobre a grande sombra do Darwinismo, eles escolhem o que obviamente esperam ser uma linha diplomática: “Bem, você provavelmente sabe melhor do que ninguém, que a evolução é apenas uma teoria. Certo?”

A evolução não é apenas uma teoria. Atualmente, usamos o termo “evolução” de duas formas diferentes, e não parece ser má ideia se palavras distintas fossem usadas para estes dois significados – história e mecanismo – para usá-las de forma correta.

O primeiro significado da evolução é a história, uma história natural e viva, onde as raízes do presente se encontram no passado.[…] Significa que o passado foi caracterizado por processos no qual as espécies atuais podem ser rastreadas em ancestrais similares, porém claramente diferentes. E significa que quanto mais nos movemos para trás no tempo, com mais pedaços e peças deste registro histórico, encontramos uma diversidade de formas de vida muito diferentes das que vemos e conhecemos hoje.  Isto é, uma descrição acurada sobre o que sabemos sobre o passado da vida no planeta.

Com relação a isso, a evolução é um fato tanto quanto qualquer outro que conhecemos em ciência. É um fato que os seres humanos não apareceram de repente nesse planeta, como criações sem ancestrais, e é um fato que os sinais desta ancestralidade são claros para a nossa espécie e para centenas de outras espécies e grupos de espécies. É verdade que o registro histórico é incompleto. sujeito a interpretações e aberto à revisões, especialmente à luz de novas descobertas. Não podemos saber ao certo o rumo que as descobertas vão tomar, e não podemos ter certeza se alguns destes sinais possuem erros ou mal entendidos que um dia  serão corrigidos. Sobre o assunto de saber se esses sinais existem ou não, podemos ser definitivos. Eles existem, e ponto. Evolução é um fato.

E no que diz respeito ao segundo significado da evolução, como teoria? A grande contribuição de Darwin, como tenho enfatizado, não foi o reconhecimento da evolução como processo histórico. Ao contrário, foi sua descrição de um mecanismo que poderia dirigir as mudanças evolutivas. A teoria evolutiva é um conjunto de explicações que procura esclarecer como esta mudança aconteceu  A teoria evolutiva leva em conta as contribuições relativas das mutações, variações e da seleção natural, e tenta entender como as ações interligadas de hereditariedade, sexo, probabilidade, ambiente e competição direcionam os detalhes da descendência com modificações.

A teoria evolutiva é um campo vigoroso e contencioso, como deve ser a boa ciência. Encontros científicos sobre este assunto são recheados de argumentações e discordâncias, e isso é uma coisa boa. O conflito intelectual, mesmo num nível pessoal, é bom para a ciência porque motiva os cientistas a testar suas ideias e as dos seus oponentes sob o escrutínio do experimento e da observação. A este respeito, o detalhado mecanismo pelo qual as mudanças ocorrem, é a teoria, mas teoria nesse contexto não significa que seja apenas um palpite sem fundamento. A teoria evolutiva não é um palpite sobre a natureza da vida, assim como a teoria atômica não é um palpite sobre a natureza da matéria, ou a teoria dos germes, pura especulação sobre a natureza das doenças. A teoria evolutiva é um conjunto bem definido, consistente e produtivo de explicações sobre como as mudanças evolutivas ocorrem.

A evolução é tanto fato quanto teoria. É um fato que as mudanças evolutivas acontecem. E a evolução é também uma teoria que procura explicar o mecanismo detalhado por trás destas mudanças.

Seria legal fingir, como muitos dos meus colegas cientistas fazem, que o estudo da evolução pode ser conduzido sem ter qualquer efeito na religião. De certa forma, invejam outros campos científicos – como a química orgânica ou a oceanografia – que podem prosseguir a toda velocidade, sem nunca terem que serem jogados na arena religiosa.[…]

[…]Existe alguma possibilidade de que os “geólogos do dilúvio” sejam cientistas genuínos e sinceros? É possível que sejam pioneiros solitários trabalhando numa grande e nobre tradição, lutando por respeitabilidade e, em última análise, para provar suas ideias?  Não penso que seja assim; e digo que não se trata de um julgamento de caráter, mas uma avaliação do comportamento científico deles. Se eles realmente acreditam na validade das suas interpretações da história fóssil, deviam estar loucos para explorar uma grande oportunidade científica: os coprólitos.

Coprólitos são fezes fossilizadas. Ao longo dos anos, os paleontologistas têm encontrado milhares destes fósseis, incluindo um notavelmente descrito num artigo da revista Nature, em 1984, com o título “A Kingsized Theropod Coprolite.” O tamanho e localização do objeto, indicam que foi produzido por um dinossauro carnívoro, provavelmente um Tiranossauro. O coprólito está recheado com grandes fragmentos de ossos parcialmente digeridos. Outros coprólitos estão também disponíveis, se nossos colegas preferirem, de mamíferos ancestrais, pleiossauros (répteis nadadores), e até de insetos. Para os criacionistas de Terra Jovem, estes fósseis apresentam uma oportunidade única para validarem suas ideias. Tudo que teriam que fazer, seria explorá-los e encontrar evidências de um único organismo contemporâneo. Grãos de pólen microscópicos de plantas modernas, seriam suficientes, no caso de dinossauros herbívoros. Se pudessem encontrar um pedaço de osso de atum, no estômago desses pleiossauros, sacudiriam o mundo da geologia, demonstrando que criaturas da antiguidade e do mundo contemporâneo coexistiram lado a lado antes do dilúvio, como eles sempre disseram. Os criacionistas de Terra Jovem não fazem este esforço. Eles se mantêm cuidadosamente longe de qualquer tipo de contato com evidências genuínas, como o fato de que o sistema digestivo dos pleiossauros estava cheio de amonitas, moluscos extintos, que viveram na mesma era geológica.[…]

[…]Então, como vimos, o designer (inteligente) produziu um organismo após outro, em lugares e sequências que poderiam ser posteriormente, erradamente interpretadas como a evolução, por uma de suas criaturas (pobre Charles Darwin! =P). E apenas para ajudar na composição deste mal-entendido, ele (o designer) se certificou de que os primeiros membros que desenhou, se parecessem com barbatanas modificadas, e que os primeiros maxilares que projetou, se parecessem com arcos branquiais modificados. Ele ainda se deu ao trabalho de garantir que os primeiros tetrápodes tivessem caudas como as dos peixes, e que as primeiras aves tivessem dentes, como os répteis. Tão pensador esse designer, que depois de ter desenhado mamíferos para viver exclusivamente em terra, redesenhou alguns poucos, como as baleias e os golfinhos, para viver na água – mas não antes de ter desenhado criaturas que viviam de forma dividida: tanto na terra quanto na água.  Trabalhando desta forma mágica, este designer escolheu criar formas exatamente intermediárias entre mamíferos terrestres e mamíferos aquáticos.

Seria legal, fingir que esta descrição não é nada mais do que uma polêmica irreverente, um puxão desagradável de orelha na oposição. Mas não é. É uma boa descrição, de um pouquinho do que qualquer defensor do design inteligente deve acreditar, no sentido de enquadrar suas crenças, com os fatos da história geológica. E isso é apenas o começo.[…]

Finding Darwin’s God: a scientist’s search for common ground between God and Evolution – Kenneth R. Miller

Recomendado!


O que incomoda os criacionistas?

setembro 19, 2010

por Donald E. Simanek

Motivações dos criacionistas e advogados do Design Inteligente

Criacionistas e divulgadores do design inteligente são claramente e fortemente motivados a terem seus pontos de vista reconhecidos como cientificamente respeitáveis, e a impor os mesmos no currículo científico escolar. Qual é a fonte dessa motivação? O que os incomoda tanto no modo como a ciência é ensinada?

Ciência e ensino de ciência não lidam com qualquer coisa sobrenatural, e então você pode pensar que isso não seria nenhuma ofensa a pessoas religiosas. Mas, de fato, é essa a grande razão do seu descontentamento. Ciência sem o sobrenatural, é, para eles, materialista, e por não incluir Deus, está implicitamente negando a importância dEle, ou até mesmo a existência de Deus. No mínimo, deixando Deus (ou qualquer entidade criadora/designer sobrenaturais) fora das ciências naturais, seria o mesmo que dizer que a natureza passa muito bem sem Deus.

A ciência não responde perguntas do tipo “por quê?”, mas apenas as do tipo “como?” As religiões geralmente tratam as questões “por quê?” como as mais importantes e mais significantes, e ficam ansiosos para fornecer suas próprias respostas a essas questões. Sendo assim, porque esses dois pontos de vista entrariam em conflito, se a ciência e a religião possuem seus próprios territórios? Os cientistas, mesmo quando são religiosos, geralmente não impõem seus pontos de vista às religiões. Porém, muitas pessoas religiosas, especialmente as evangélicas, sentem que devem impor seus pontos de vista em todos os lugares e a todas as pessoas. Mais ainda, ficam ofendidas quando alguém falha em reconhecer as “verdades” que para elas são auto-evidentes. Por muitos anos, fundamentalistas e evangélicos percebiam a si mesmos como marginalizados. Sentiam-se desrespeitados. Agora, pelo menos nos Estados Unidos, eles têm motivos para sentir que essa situação, pelo menos na esfera pública, está mudando. São poderosos, e estão prontos para usar esse poder para atingir seus objetivos sociais e políticos.

As religiões mais moderadas não estão entrando nessa. A maioria delas se sente confortável com a teoria da evolução. Qualquer um pode crer num criador/designer/Deus e aceitar a evolução. No final, Deus é sempre visto como perfeito e poderoso, e certamente capaz de desenhar um universo que se auto-sustenta, sem requerer manutenção ou consertos. Tal ponto de vista não requer que um Deus ocasionalmente invente novas espécies, como o design inteligente assume. Permite que o universo siga seu curso por meio de processos naturais. E são esses processos naturais que a ciência estuda e descreve.

Um universo auto-suficiente não fornece evidências para um designer, como vimos, por isso a evolução pode ser entendida somente por processos naturais. Os proponentes do DI querem encontrar evidências para um designer, e uma dessas evidências são as “lacunas” (transições inexplicáveis) na sequência evolucionária (incluindo lacunas no registro fóssil). Estas, dizem eles, são evidências de que um designer inteligente interveio para fazer novas espécies, ou para preencher uma lacuna que os processos naturais não poderiam preencher.

Resumindo, essas pessoas querem um designer inteligente “ativista”, o qual continuamente, ou no mínimo periodicamente, intervém na operação do universo. Um universo auto-funcional não poderia mostrar qualquer evidência de um designer onipresente.

Teoria das lacunas

Esse “deus das lacunas” cumpre seus propósitos? Vamos imaginar por um momento. Suponha que essas lacunas sobre as quais os criacionistas falam são tão sérias que nenhum processo natural concebível pode superá-las. Suponha que uma nova espécie surge subitamente num determinado momento, sem qualquer evidência de que possa ter se desenvolvido de outras espécies. [Não importa, nesse momento, que nenhuma espécie tenha surgido na história, sem que tenha havido qualquer semelhança biológica com espécies anteriores.] Então, dizem os proponentes do DI, isso é uma “evidência” de um designer que incluiu esse novo critério de design na timeline da biologia. O que? Como pode ser? Isso apenas indica que (a) não encontramos evidências que preencham essa lacuna, ou (b) não fomos inteligentes o suficiente para enxergar os processos envolvidos ou (c) talvez algum processo natural que nunca imaginamos antes, talvez até leis da natureza ainda desconhecidas para nós, estejam em operação. Se você listar todas as possibilidades, pode imaginar ainda toda sorte de cenários sobrenaturais fantásticos (mas fazendo isso, você não está fazendo ciência, mas algo mais parecido com ficção científica).

Então, vamos imaginar essa possibilidade, somente para fins práticos. Talvez existam outros universos. De tempos em tempos, um deles sofre intersecção com o nosso, e alguns animais alienígenas, plantas ou outros organismos vindos desse outro universo, atravessam a intersecção e passam para o nosso universo. Esse cenário pode ser provado? Não, a assim chamada evidência da lacuna não é específica o suficiente para suportar essa possibilidade particular, ou qualquer outra, nem para refutar qualquer outra possibilidade imaginável. Em outras palavras, tal “evidência” é inútil para demonstrar qualquer coisa que seja.

Suspensões ou interrupções nas leis naturais são chamadas de “milagres”. [Podemos nomear até mesmo coisas que não podem acontecer.] Seja lá como for que você chame isso, se suspensões das leis naturais viessem a acontecer, não nos diriam nada de útil sobre coisa alguma. Além disso, não temos provas concretas e cientificamente aceitáveis de que milagres têm ocorrido na história do universo.

Vamos observar isso de outra perspectiva. Como é que conseguimos aprender alguma coisa sobre o funcionamento da natureza?  Apenas porque a natureza trabalha de forma regular e sólida. Uma vez que descrevemos um comportamento numa lei da natureza, temos aprendido que podemos estar seguros de que a natureza não vai nos pregar uma peça e mudar aquela forma de comportamento. Mas se coisas irregulares e imprevisíveis acontecem aqui e agora (reais, e não apenas devidas a falhas nos dados), não podemos construir ciência com base em tais coisas. Os métodos da investigação científica seriam incapazes de nos dizer qualquer coisa sobre as razões para tais acontecimentos, ou para prever quando a próxima irregularidade poderia acontecer.

Como os criacionistas e defensores do DI agem para obscurecer esses fatos simples? Normalmente, enterram as feias deficiências das suas teorias numa pilha de disparates e ofuscação (tradução: lixo irrelevante). A decepção é assim. Pegue um conceito que é geralmente e acriticamente aceito por várias pessoas, mesmo não sendo suportado por qualquer evidência (como a ideia de um criador/designer sobrenatural). Então, aponte para evidências que supostamente o apoiam. O conceito precede a evidência, e já está enfeitado com atributos: inteligência, poder, invisibilidade e perfeição.  Os atributos são prontamente e acriticamente aceitos por pessoas que não são cientistas. Então, qualquer evidência que pareça preencher esses atributos é contada como uma evidência, que prova a existência de uma entidade “criadora/designer”. É por isso que os argumentos do DI têm efeito sobre aqueles que possuem pouco conhecimento de ciência e pouca experiência em reconhecer argumentos disparatados. Há uma grande diferença entre um argumento que apenas “parece bom”, e um argumento verdadeiramente bom.

Em ciência, as evidências precedem as teorias. Insistimos que as evidências devem ser especificamente o suporte de uma teoria. Se as evidências suportam uma ampla gama de teorias diversas de forma igualmente boa, não consideramos qualquer uma dessas teorias como persuasivas. Teorias que são concebidas apenas para “explicar” uma pequena parte ou um pedaço isolado de evidências, não são levadas a sério. Teorias científicas devem ser capazes de incluir fenômenos diversos, e de unificar uma diversidade de leis, ou seja, devem ter um horizonte amplo.

Até agora, os defensores do DI não apresentaram qualquer pesquisa que tenha sido de qualquer utilidade para a ciência. De fato, ninguém pode encontrar qualquer pesquisa científica que eles tenham feito. Suas teorias são uma filosofia mascarada de teoria científica, ainda em busca de qualquer utilidade científica.

Os marketeiros do DI dispendem muito esforço escrevendo livros e artigos sobre “evidências” da “complexidade irredutível” – exemplos específicos encontrados na natureza que parecem não ter sido originados pela evolução. Não convenceram os cientistas, e cada um dos seus exemplos foi desacreditado. Mas sua produção sobre o assunto, serve para distrair o público que não percebe as falhas fatais da sua cadeia de argumentos. Suponha  que de alguma forma sejamos capazes de demonstrar de forma conclusiva que existe uma criatura com complexidade irredutível. Esse fato poderia levar a lugar nenhum, pois seria uma evidência de – absolutamente nada em específico. Tal evidência certamente não poderia provar suas hipóteses do DI ou mesmo sugeri-las. Então, estão perdendo tempo ao se concentrar nesse assunto.

Naturalismo e materialismo

Você de vez em quando ouve os criacionistas queixarem-se do “naturalismo” dos cientistas e do ensino de ciência. Um dos objetivos declarados dos defensores do DI é introduzir uma cunha entre a “ciência naturalista” e uma “nova” ciência que reconhece e inclui Deus.

Os criacionistas veem o “naturalismo” como um inimigo a ser combatido em todos os “fronts”, e tentam substitui-lo com o “realismo teísta”. Em resumo, é uma estratégia para “colocar Deus por trás de todos os aspectos da atividade humana, ciência, política, leis, educação”. Eles temem que o “naturalismo e materialismo” da educação científica levem suas crianças para longe de Deus, levando-as a rejeitar Deus, e então fazer todo tipo de coisas más. Na verdade, acham que isso já está acontecendo. Em seus escritos, os criacionistas igualam o naturalismo e o materialismo. Não são bons em fazer distinções sutis.

A ciência atual adota o “naturalismo metodológico” (NM), no qual a ciência é conduzida sem fazer afirmações sobrenaturais e sem usar  conceitos sobrenaturais. A ciência simplesmente se mantém em silêncio a respeito de questões sobrenaturais ou teológicas. Isso não se faz como forma deliberada de rejeitar Deus, mas simplesmente porque hipóteses sobrenaturais não contribuem nem iluminam a ciência de nenhuma forma.  São inúteis para a ciência.  Simone Laplace coloca isso muito bem quando perguntado sobre o porquê não havia menção a Deus em um de seus livros. Ele respondeu: “Não tenho necessidade dessa hipótese.” Cientistas podem, e muitos têm, crenças religiosas. Podem abraçar qualquer hipótese sobrenatural que queiram “nas horas vagas”, mas sabem que elas não têm nenhuma utilidade e nenhum lugar justificado  no seu trabalho científico.

Os criacionistas caracterizam esse naturalismo metodológico, muito prático e necessário, da ciência, como uma conspiração deliberada dos estabelecimentos científicos para destruir a religião e banir Deus da mente das pessoas. Esta pode ser a principal motivação dos criacionistas e defensores do DI.

Propósito

Os teístas, de vez em quando, olham para o mundo em geral e dizem “Com certeza esse mundo natural maravilhoso e perfeito ao nosso redor, deve ter um propósito.” Isso levanta a questão de um “design proposital” por um “designer inteligente”. Se você responde com olhar incrédulo e dizendo “Por que deveria ter um propósito?”, eles geralmente não podem acreditar que você seja sério.

Meu sentimento é “Como pode alguém pode dizer com uma cara séria que esse mundo é perfeito?”  Mesmo um teísta deve perceber que imperfeições são abundantes na natureza, e com um pouco de reflexão, pode fazer sugestões para o seu aperfeiçoamento. Os criacionistas gostam de citar o olho humano como um exemplo de design maravilhoso e perfeição funcional. Mas nem todos enxergam dessa forma. Hermann Helmholtz, que fez pesquisas pioneiras sobre os sentidos humanos, uma vez comentou que se um fabricante tivesse mandado a ele um instrumento tão mal desenhado como o olho, ele o devolveria para ser refeito. Nós agora compreendemos a evolução do olho humano razoavelmente bem. Houve uma série de pequenas mudanças que aperfeiçoaram sua performance, mas nunca o tornaram perfeito. Pergunte a qualquer um que sofra de catarata, degeneração macular, ou qualquer outro tipo de afecções da visão, sobre o design perfeito do olho. Alguns olhos de animais se desenvolveram ao longo de um caminho evolucionário diferente, e possuem algumas características que são melhores do que aquelas  com funções similares no olho humano. Por exemplo, alguns animais marinhos possuem seus receptores sensíveis à luz na retina, na frente do suprimento de sangue, enquanto os humanos os têm atrás de uma rede de vasos sanguíneos que obscurecem uma porção da retina da luz incidente. Mas, uma vez que um caminho evolucionário é seguido, há poucas chances de “voltar atrás” para corrigir esses erros. Estamos presos a eles. Qualquer cirurgião ortopédico poderia facilmente imaginar um design biológico melhor para o joelho humano, para a articulação do quadril, ou para a espinha.

E quem pode dizer que o câncer é uma coisa bonita e maravilhosa? Cite qualquer uma das outras deformidades horríveis e doenças que podem afligir o ser humano, e então fale sobre a beleza e perfeição da natureza.  É claro, os teístas possuem todo tipo de formas de passar por cima dessas coisas: “São o resultado do pecado no Jardim do Éden” ou “São trabalho do Diabo.” Mas temos que nos ater à ciência, e não divagar em contos de fadas.

Se um teísta pergunta, “Você tem certeza de que tudo isso tenha surgido por acaso cego e sem propósito?”, tenho que responder que as coisas que vemos acontecendo no universo não mostram nenhuma evidência de propósito, e são, nesse sentido, “cegas”. Acaso e probabilidade desempenham papéis na natureza, mas a geometria e as leis naturais devem ser levados em conta e são responsáveis pela “aparência de design”, por isso, nunca é “mero acaso”.

Esta é a razão principal pela qual os criacionistas rejeitam a ciência. Eles querem um universo com propósitos, e a ciência mostra não haver evidência desse tipo de coisa.  Eles gostam de pensar que o objetivo principal é a humanidade, e que somos feitos “à imagem de Deus”. A ciência não tem nada a dizer a respeito de tais noções.

Uma sugestão aos teístas

Como eu disse, a ciência não prova nem refuta qualquer crença sobrenatural, porque fica em silêncio a respeito desses assuntos. Entretanto, ofereço essa sugestão aos teístas, que não tem nenhum peso científico por trás. Os teístas poderiam simplesmente assumir que seu criador/designer/deus planejou o universo por declarar algumas leis naturais e imaginando uma matriz geométrica de tempo e espaço para essas leis operarem, e então, deixando a “natureza seguir seu curso”. O resultado é o que nós vemos hoje. Este criador não precisou voltar a mexer nisso ao longo do tempo, e o resultado é inteiramente aquele gerado pelas leis que o criador estabeleceu.  O universo não mostra evidências de que poderia revelar a forma pela qual foi criado. Então, a ciência o estuda e descreve seu comportamento  sem entrar em conflito com a religião. A religião pode lidar com questões sobre propósito divino, a existência do mal, das doenças e outros assuntos teológicos que por si mesmos não interferem em nada na ciência. Esta é essencialmente a posição de muitos religiosos moderados, que não têm nenhuma discussão com a ciência [1].

Obviamente, isso nunca vai satisfazer os criacionistas.

Os cientistas não são culpados

Vamos admitir que alguns cientistas sejam culpados de invadir assuntos teológicos. Ultrapassaram os limites do cogniscível em especulações puramente hipotéticas. Alguns deles escreveram livros nos quais os limites entre a ciência estabelecida e a especulação selvagem não são fáceis de ver. Muitas vezes, eles usam a palavra “crença”, sem qualificá-la como uma “tentativa ou aceitação provisória”.  Não mostram claramente e cuidadosamente as limitações dos dados atualmente conhecidos, e as limitações resultantes em nossas leis e teorias. Alguns são conhecidos por proferir a palavra “verdade”, a qual é inteiramente desnecessária no discurso científico. Alguns deles aparecem em livros escolares. O fato é que fantasias e ficção vendem livros, enquanto fatos puros, não. O público é sedento pelo fantástico e miraculoso. Esse tipo de coisa tem feito da ciência um alvo fácil, para aqueles que possuem apenas conhecimento superficial sobre como a ciência é realmente praticada.

Notas e considerações finais

[1] Neste ensaio, escrevi muito pouco em defesa da evolução. Não há necessidade disso. Evolução é um fato firmemente estabelecido, e nenhum dos defensores do DI mudou ou desacreditou os fatos da paleontologia, arqueologia, biologia, bioquímica e etc. (Os criacionistas tentam fazer isso, mas em todas as vezes levam ovadas na cara por distorcer ou interpretar erroneamente os fatos, ou o que um amigo caracterizou como “mentir em defesa de Deus.”) O que os defensores do DI reclamam, é que os cientistas não veem necessidade de intervenção sobrenatural em todo esse processo, e nenhuma evidência aponta para tal intervenção sobrenatural. Os defensores do DI querem uma interpretação alternativa para os fatos, e querem afirmar também que “um designer inteligente é responsável por tudo”. Agora, a noção de designer inteligente possui pelo menos três interpretações. (1) O designer planejou tudo, e desde então tudo funciona por si mesmo, sem manutenção ou intervenção; ou (2) o designer guia cada etapa do processo, ou (3) o designer só precisa intervir no processo natural de vez em quando, produzindo aparentes “milagres” que não podem ser explicados pelas leis naturais.  As duas primeiras interpretações são inteiramente consistentes com um processo evolutivo regido por leis. Apenas a terceira muda o entendimento evolucionário convencional, por suas alegações de que há etapas na evolução que não se encaixam nas leis naturais. As duas primeiras interpretações não geram nenhum conflito entre DI e a ciência.

What’s bugging the Creationists? Donald E. Simanek

De novo, como já falei várias vezes aqui, mesmo que se creia nesse “designer” que: ou planejou tudo, estabeleceu leis, e deixou o universo seguir seu curso sozinho naturalmente, ou planejou e guia as etapas do processo evolutivo, a decisão de crer nisso e incluir um Deus que desempenharia o papel do designer, já extrapola os limites da ciência. É uma opção pessoal, que cabe a cada um decidir por ela, por meio da fé, somente. Não há evidências científicas de que tal designer exista, por mais que os defensores do design inteligente digam o contrário, e a ciência não se ocupa desse tipo de questão. O que não acho que seja uma opção inteligente, é montar um sistema de crenças que negue os fatos da ciência ou tente se contrapor a eles, ou que se proponha a substituir a ciência por uma pseudo-ciência embasada em filosofias religiosas, como é o caso de boa parte dos criacionistas e defensores do design inteligente, que negam a evolução. Não admitem a evolução, por razões puramente religiosas, e então criam uma “teoria alternativa”, NÃO CIENTÍFICA, e pior ainda, usam meios pouco honestos para fazer com que essas “teorias alternativas”, sejam vistas como passíveis de substituir as teorias realmente científicas. Seria mais inteligente por parte de tais pessoas, aceitar o conhecimento científico como ele é, absorver os novos conhecimentos que vão sendo adicionados com o tempo, e então tentar construir uma visão dinâmica a respeito desse “designer”, que não obrigue ninguém a fazer guerra contra a ciência, ou ver a ciência como um inimigo a ser combatido. Os religiosos que acham que a ciência é um inimigo a ser combatido, deveriam também impedir a si mesmos de desfrutar dos benefícios proporcionados por essa mesma ciência. Questão de coerência, certo? Você vê algum deles fazer isso? É aquela velha história das bruxas: “não acredito em evolução, mas que ela acontece, acontece; faço uso das aplicações e benefícios que o estudo do processo evolutivo traz para a humanidade,  mas continuo negando que ela seja um fato.” Lamentável.


Igreja, evolução, Darwin e Gênesis

abril 14, 2010

Fico feliz em encontrar pela Internet, cada vez mais cristãos se manifestando contra a rejeição da teoria científica da evolução por parte de outros cristãos. Abaixo, coloco parte de textos de algumas dessas pessoas, que espero possam impulsionar mais cristãos à reflexão e ao questionamento.

Abaixo, trechos do texto Science and the Bible, de Dr. James R. Adair

Evolução

Muito da oposição à teoria da evolução por cristãos pode se basear na falta de conhecimento sobre ciência, ou uma interpretação questionável das escrituras. Por exemplo, alguns cristãos se opõem, dizendo que  “é apenas uma teoria”. Esse tipo de comentário demonstra uma falta de conhecimento fundamental sobre a natureza da ciência moderna. Diferente da matemática, que permite que teoremas sejam provados logicamente, “prova” nas ciências é baseada em teste de hipóteses e, por último, elaboração de teorias. As assim chamadas “leis”, como a Lei da Gravidade ou as Leis do Movimento, são em realidade teorias que foram suportadas repetidamente de forma experimental. Nesse sentido, a teoria da evolução pode ser chamada de lei, porque experimentos repetidos têm confirmado vários aspectos do modelo original proposto por Darwin. Quando Darwin propôs sua teoria da evolução por seleção natural em 1859, ela era apenas uma de várias hipóteses que competiam entre si, e enquanto suas ideias eram disseminadas, não eram universalmente aceitas na comunidade científica. Entretanto, o surgimento do campo da genética no início do século XX, junto com a descoberta da molécula de DNA em 1950, confirmaram a teoria de Darwin de uma forma surpreendente; desde então, a teoria de Darwin é agora considerada o princípio fundamental da biologia moderna.

A oposição cristã à evolução, baseada na ideia da Terra jovem, é também uma falha de interpretação da escritura e uma rejeição teimosa das evidências científicas. A visão Terra jovem é baseada numa leitura literal de Gênesis 1, onde Deus cria a Terra em seis dias. Os criacionistas de Terra jovem interpretam esses dias como dias de 24 horas. Porém, é perfeitamente possível ler esse material de forma figurativa ou poética, que permite que a criação tenha ocorrido ao longe de um período de tempo muito maior. Vários métodos de utilização de radioisótopos foram desenvolvidos nas últimas décadas, por exemplo,  Carbono-14, Urânio-238, Urânio-235, Tório-232, Potássio-Argônio, Rubídio-Estrôncio e Argônio-Argônio. Todos esses métodos de datação, assim como outros dados científicos, como a medição do efeito Dopler dos mais distantes objetos visíveis do universo, em sua emissão de ondas eletromagnéticas, confirmam a antiguidade da Terra e do universo. Dadas as evidências científicas esmagadoras, parece claro que Gênesis 1 precisa ser interpretada de outra forma que não seja a literal. Se Gênesis 1 é lido como um trabalho teológico-literário, cujo propósito é mostrar a ordem e beleza da criação divina, todas as dificuldades com uma Terra de 4,5 bilhões de anos e um universo de 14 bilhões de anos, desaparecem.

Muitos cristãos que são oponentes da evolução, tentam encontrar furos na teoria de um jeito ou de outro. Um dos ataques mais comuns é baseado no registro fóssil, que, por sua natureza, é incompleto. Os oponentes citam a falta de formas intermediárias como evidência contra a validade da evolução. Além da fraqueza lógica desse argumento, o fato é que a cada nova descoberta, mais e mais o registro fóssil vai sendo preenchido.  Para ilustrar isso, os anti-evolucionistas, vinte ou trinta anos atrás, protestaram contra a possibilidade de as baleias terem evoluído de  mamíferos terrestres que voltaram ao mar, porque não havia evidência fóssil de uma espécie intermediária entre esse ancestral mamífero terrestre e as baleias modernas. Nos últimos trinta e cinco anos, entretanto, numerosos fósseis que preencheram a lacuna no registro fóssil, foram encontrados, e a linhagem entre Pakicetus e várias espécies de baleias com dentes e barbatanas está hoje bem documentada. Adicionalmente, a análise do DNA mostra que o parente não marinho mais próximo das baleias, é o hipopótamo, e os cientistas hoje classificam baleias e hipopótamos em uma única ordem: Cetartiodactyla.

O fato é que muitas linhas independentes de evidências suportam a teoria da evolução, incluindo as seguintes:

  1. órgãos e estruturas vestigiais: partes não funcionais do corpo que não exercem mais nenhuma função ativa, mas inegavelmente indicam a história evolutiva, como o apêndice humano e os membros posteriores das baleias.
  2. Semelhanças morfológicas: semelhanças estruturais entre animais relacionados tanto de forma próxima como de forma distante.
  3. embriologia: evidência da ancestralidade no desenvolvimento embrionário, tais como fendas branquiais em mamíferos.
  4. semelhanças genômicas: semelhanças nos cromossomos e no DNA de organismos tanto próximos quanto distantemente relacionados.
  5. evolução observável dos vírus e bactérias: a reprodução rápida torna a evolução observável (exemplo: variantes dos vírus da gripe e da AIDS).
  6. registro fóssil: proporciona evidências tanto das relações evolutivas entre espécies, quanto da idade (com base nos estratos geológicos).
  7. poder de explicação da teoria: poder de explicação da teoria e cumprimento das previsões que foram feitas com base na mesma, incrementam a base para a teoria ao longo desses 150 anos.

Design Inteligente e a questão de Deus

Muita atenção tem sido dada atualmente a um conceito que é chamado por seus proponentes, Teoria do Design Inteligente (DI). De forma resumida, a teoria do DI afirma que os organismos biológicos são complexos demais para terem se desenvolvido ao acaso, então eles devem ter um “designer”. Embora a grande maioria dos advogados do ensino do DI nas escolas públicas digam que não, é claro que para a vasta maioria deles, esse “designer” é o Deus cristão.

Como pode um cristão que é comprometido tanto com a boa teologia tanto com a boa ciência, avaliar o ID? Primeiro, é preciso dizer que  todos os cristãos, tanto os advogados quanto os oponentes do ID, acreditam em um “designer” inteligente. A questão não é se Deus é de foma inegável responsável pela criação do universo, mas sim, que o ID, como apresentado por seus defensores, dizem estar oferecendo uma alternativa necessária ou razoável à evolução. No meu ponto de vista, isso não é verdade, pelas seguintes razões:

  1. DI não é uma teoria científica
  2. DI não é uma hipótese científica
  3. DI é uma crítica à evolução com base puramente filosófica
  4. DI impõe limites à inteligência e poder de Deus

Primeiro, apesar do fato de ser chamado às vezes de “Teoria” do Design Inteligente, ID não é uma teoria científica, porque não foi elaborada através do rigoroso processo de verificação científica que é requerido para que uma hipótese se transforme em teoria. De fato, desde que não oferece hipóteses testáveis a respeito de suas reivindicações, não é uma teoria científica. Pelo contrário, é uma crítica de base filosófica à evolução. Não há nada de errado em criticar as teorias científicas existentes; os avanços na ciência não poderiam se fazer sem críticas construtivas. Porém, muitos dos defensores do ID e críticos da evolução, estão simplesmente reciclando críticas criacionistas do século XIX e XX que falharam na tentativa de serem levadas em consideração na comunidade científica, no passado. Outras críticas, tais como expor os furos no conhecimento atual que existe, são inconsequentes sem uma alternativa cientificamente testável, a qual o ID não proporciona.

Finalmente, embora o ID critique a teoria clássica da evolução por tirar Deus da equação, não é verdade que a teoria da evolução elimina a possibilidade de Deus. Embora muitos cientistas rejeitem a idéia de Deus, muitos outros não visualizam contradição entre a evolução e Deus. O livro Bios, Cosmos, Theos, editado por Henry Margenau e Roy Abraham Varghese, consiste de uma série de entrevistas com sessenta eminentes cientistas, muitos deles ganhadores do Nobel, sobre religião e ciência, e nenhum dos cientistas apresentados no livro, pensam que Deus seja incompatível com a ciência. Keneth R. Miller, professor de Biologia na Brown University, discute o relacionamento entre religião e ciência em Finding Darwin’s God: A Scientist’s Search for Common Ground between God and Evolution, e ele também pensa que Deus e ciência são compatíveis. De fato, pode-se argumentar que o ID mesmo impõe limites  à inteligência e poder de Deus que a teoria clássica da evolução (que não faz referência a Deus, positiva ou negativa), não impõe. O DI insiste que a vida biológica é complexa demais para ter surgido por meio de processos físicos ordinários, tais como mutações genéticas e seleção natural.  Mas, ao dizer isso, implica em colocar limites tanto à inteligência quanto ao poder de Deus. Deus não pode ser capaz de produzir um conjunto de leis naturais e um conjunto inicial de dados que levaram à formação do universo e da Terra como nós os conhecemos? Deus não é capaz de desenhar o átomo de uma forma que as reações químicas combinadas com radiação, formem moléculas como as proteínas, os blocos básicos da vida? Deus não seria capaz de criar um sistema de compostos orgânicos e inorgânicos, condições físicas, e encontros extraterrestres (colisões de meteoros com a Terra) que poderiam ter impulsionado a seleção natural para produzir a grande família de formas de vida do planeta? Um Deus que é incapaz dessas coisas, pode até ser inteligente, mas é limitado. Este não é o Deus que a maior parte da teologia cristã proclama.

Trechos do Capítulo Três do texto Science and Nature in Christian perspective, de Dr. Allan H. Harvey

Como os cristãos têm interpretado os “dias” de Gênesis 1? De forma superficial, pode parecer que Gênesis 1 parece estar falando alguma coisa relativa à ciência. Fala sobre a origem das coisas na natureza, e parece dar uma sequência e um limite de tempo. Este é um assunto dos interpretes cristãos (e judeus) por centenas de anos, com muita discussão (especialmente depois que ficou claro, em torno de 1800, que a Terra é muito antiga), sobre como interpretar os seis “dias”. Aqui, vamos listar vários pontos de vista que os cristãos têm colocado sobre o assunto ao longo dos anos, então vamos estudar alguns deles mais de perto. Alguns são mais razoáveis do que outros, mas é útil ver a lista completa. Note que alguns não são mutuamente exclusivos – a verdade pode ser uma combinação  de duas ou mais dessas posições.

1. Seis dias literais de 24 horas. Esse é o ponto de vista comumente adotado pelos criacionistas de Terra jovem.

2. Cada “dia” corresponde a mil anos. Este ponto de vista é baseado nas passagens bíblicas que dizem que para Deus um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. É defendido por aqueles que notaram que os “dias” em Gênesis 1 parecem conter mais atividade do que é possível fazer em 24 horas, mas ainda assim, não concorda com a idade da Terra aceita pela ciência.

3.“Dias como eras”. Este ponto de vista tem a vantagem de que “eras” é um dos significados da palavra que em hebraico significa “dia”, e diz que cada um dos dias em Gênesis se refere a períodos longos de tempo, como uma era geológica.  O defensor mais proeminente deste ponto de vista é o Dr Hugh Ross, que tem um ministério bastante ativo chamado Reasons to Believe.

4. Teoria da “lacuna”. Conhecida como “ruína e restauração”. Esta teoria sugere que Gênesis 1:1 relata a criação original, e entre os versículos 1 e 2, existe um “buraco” na história, que não foi relatado. Nessa lacuna, vastas eras de história natural tiveram lugar, seguidas por alguns cataclismos (normalmente associados à queda de Satanás), que levou a Terra à ruína, a ser “sem forma e vazia” como vemos em Gênesis 1:2. Então, o restante de Gênesis é visto não como descrevendo a criação original de Deus, mas uma “restauração” em seis dias de vinte e quatro horas. Isso torna possível concordar com a antiguidade da Terra, e foi muito popular nos anos 1800, mas os pesquisadores em Antigo Testamento afirmam não haver base para imaginar que exista essa “lacuna” em Gênesis ou ler os dias de criação como dias de restauração. Esse ponto de vista conquistou algumas pessoas ao longo do século XX, em grande parte graças à sua inclusão nas notas da Schofield Reference Bible,  que era largamente usada por fundamentalistas nos idos de 1900.

5. Dias de proclamação. Este ponto de vista permite simultaneamente manter os “dias” como dias normais de vinte e quatro horas, e concordar com o vasto tempo geológico. A hipótese é de que Gênesis descreve seis dias de vinte e quatro horas, nos quais Deus diz “Haja…”, mas que a criação se realizou ao longo de muito tempo.

6. Dias de revelação. Se refere a “dias visionários”. Mantém os seis dias de vinte e quatro horas, por defender que os seis dias se referem aos dias onde os eventos de criação foram revelados aos escritor (geralmente atribui-se a autoria a Moisés). Assim como com os “dias de proclamação”, essa abordagem torna possível fazer com que os dias se refiram a outra coisa e não aos dias nos quais a criação aconteceu, e não é levada a sério pela maioria dos pesquisadores em Antigo Testamento.

7. “Dias análogos”. Este ponto de vista tem alguma coisa em comum com o anterior. Afirma que Gênesis está descrevendo eventos reais em determinado nível, mas que os seis dias se referem a dias de trabalho de Deus, que não são os mesmos nossos. Isso normalmente caminha junto com o “padrão Sabath”, em observar que o nosso Sabath é análogo ao sétimo dia de Deus.

8. Padrão Sabath. Este ponto de vista diz que o objetivo da estrutura em seis dias é fornecer o padrão para o Sabath que Deus ordena que seu povo obedeça. É claro que isso precisa pelo menos ser parte do significado – notamos que existe conexão direta em Gênesis 2:2-3 entre o Sabath e a forma como Deus realizou seu trabalho em seis dias e descansou no sétimo.

9. Quadro literário. Este ponto de vista diz que os seis dias são uma forma de organizar a história, sem relação com o tempo humano. Essa estrutura literária foi observada por muito tempo; o líder na defesa desse ponto de vista recentemente, foi Meredith Kline do Gordon-Conwell Seminary. Apesar de que os proponentes desse ponto de vista concordem que a ordem e o comprimento dos “dias” não tenham relação com a nossa cronologia, discordam em decidir se a descrição de eventos específicos no texto deve ser vista como construção literária ou a eventos que aconteceram.

10. Revisão inspirada (monoteísta) do mito babilônico. Este ponto de vista enfatiza a influência das culturas no entorno de Israel quando Gênesis foi escrito. Os babilônicos foram provavelmente a maior influência, mas havia coisas semelhantes em outras culturas, como os Canaanitas e os Egípcios. Eles tinham todo tipo de deuses. A mitologia babilônica apresenta uma batalha entre a divindade aquática Tiamat e Marduk, o deus da Babilônia. Segundo os babilônicos, o deus deles, Marduk, venceu e partiu Tiamat ao meio, e as metades se transformaram nas águas acima e abaixo do céu, conforme vemos em Gênesis 1:7. Então, Marduk começou a criar, não exatamente da mesma forma como está em Gênesis 1, mas com semelhanças em vários pontos. Esse ponto de vista diz que, no Gênesis inspirado, Deus pegou essa história que era familiar, e recontou de uma nova forma, deixando claro que há apenas um Deus.

11. Criação instantânea. Foi sugerida por Agostinho de Hipona 1600 anos atrás. Agostinho recebeu influências da filosofia grega, o que o levou a dizer que um Deus perfeito não precisava de tempo para criar tudo. Ele sugere que toda a criação foi instantânea, e que os seis dias eram um artifício literário para transmitir a história aos humanos de uma forma acessível.

Antes de estudar alguns deles em mais detalhes, é importante notar que cristãos cheios de fé tem acreditado em todos eles. Isso indica que a interpretação não é clara, e que é errado dizer que qualquer uma delas é a única interpretação cristã aceitável.

O autor do segundo texto, em seguida, explica algumas dessas visões sobre os seis dias de Gênesis, as quais não vou transcrever aqui. Quem tiver interesse pode ler o texto original, cujo link está acima. Gostaria de ressaltar, que ambos os autores são cristãos. Ambos aceitam a evolução. Ambos rejeitam que a teoria da evolução seja substituída pela teoria do design inteligente, por motivos bastante óbvios.

Como podemos ver, e como é de praxe, os cristãos podem escolher entre várias interpretações possíveis, para um pequeno bloco de texto em Gênesis, e algumas das interpretações podem ser complementares umas às outras. E a intransigência dos defensores da interpretação mais literalista, tem colocado as pessoas, cristãos sinceros, diante de uma escolha que não precisam fazer: ciência ou religião.

Você não precisa fazer essa escolha. Quem diz que não é possível ficar com ambos, ou está mentindo (quando tem consciência de que essa escolha não é necessária, mas obriga as pessoas a escolher, em nome de uma série de interesses), ou precisa ampliar um pouco a visão.

Sua igreja, hoje, aceitaria que um cientista, evolucionista, cristão exatamente igual a você, explicasse a teoria da evolução como ela é, sem a carga de desinformação, equívoco, engano, fantasia e desconhecimento que geralmente os evangélicos colocam em cima dela?


George Coyne e o universo fértil

janeiro 5, 2010

O universo precisava de Deus para evoluir? Para o padre norte-americano George Coyne, ex-diretor do Observatório Vaticano, não. Esse jesuíta – formado em Matemática, licenciado em Teologia e Filosofia, e doutor em Astronomia – defende que o universo, embora realmente criado por Deus, já continha todos os componentes necessários para que pudesse crescer por conta própria, sem a necessidade de intervenções divinas diretas. Coyne chamou essa teoria de “universo fértil”, e ela ganhou um reforço quando pesquisadores da Universidade de Manchester, na Inglaterra, conseguiram finalmente criar, em laboratório, alguns blocos componentes do RNA, mostrando como eles poderiam ter surgido espontaneamente nas condições da Terra primitiva. Se o estudo estiver correto, abre espaço para que no futuro seja possível compreender como a vida surgiu no planeta. Em entrevista por e-mail, Coyne fala à Gazeta do Povo sobre esta experiência, critica as pessoas que usam Deus como resposta às questões científicas que continuam em aberto e comenta a relação entre ciência e religião.

Recentemente, cientistas britânicos conseguiram criar nucleotídeos de RNA em laboratório, um passo inicial no caminho até que se possa criar vida em experiências científicas. Como isso se relaciona à sua teoria sobre o “universo fértil”?
Este trabalho mostra que, embora ainda não saibamos como a vida surgiu no mundo, os cientistas estão obtendo grandes passos na aventura de descobrir e explicar as origens da vida. A fertilidade do universo é algo descoberto pelos cientistas, não é algo criado por eles. O “universo fértil” é a melhor explicação científica para mostrar como o universo evoluiu até ser capaz de providenciar as condições para o surgimento da vida. Ao longo de 14 bilhões de anos, bilhões e bilhões de estrelas nasceram e morreram para dar ao universo a abundância de elementos químicos necessários à vida.

O físico protestante Howard van Till alega que teólogos do início do Cristianismo, como São Basílio (330-379) e Santo Agostinho (354-430), já haviam falado do universo como uma criação sem “buracos” que precisassem ser preenchidos por intervenções divinas diretas. O senhor diria que esses santos chegaram a vislumbrar o “universo fértil”?
Em um certo sentido sim, porque eles efetivamente tiveram a intuição de que Deus criou o universo de forma que não precisasse ficar mexendo nele, podemos dizer assim. Mas obviamente Basílio e Agostinho não tinham como saber a idade do universo, o número de estrelas ou a natureza das reações termonucleares – todos ingredientes do “universo fértil”.

Se Deus não é necessário para explicar pontos-chave da história do universo, como o surgimento da vida, o que sobra para Ele fazer no mundo?
Para quem crê em Deus e no fato de que Ele criou o universo, segue-se que Deus continua lidando com a criação, sustentando-a sem interferir nos processos naturais que Ele mesmo designou. Deus é amor, e só isso já é um trabalho em tempo integral. Se você é capaz de entender como dois amantes sustentam um ao outro, é possível começar a compreender como Deus sustenta o universo. Um teólogo poderia aprofundar esta questão, mas minha formação é outra.

As pessoas religiosas acreditam em milagres e na Providência divina, que seriam meios de Deus agir no mundo. Como conciliar essa crença com a visão de um Deus não-interferente?
De fato, Deus opera milagres, dos quais o maior é a ressurreição de Cristo. Então ele interfere no mundo, e também é providente, mas principalmente por meio da própria natureza. Na minha opinião, essas intervenções são muito raras, e compete a Ele, não a nós, decidir quando a Providência age.

Em seus textos, o senhor ataca a noção de “Deus das lacunas”. Na sua percepção, o quanto esta visão está impregnada na mentalidade do crente comum, especialmente entre cristãos e católicos?
Esse modo de pensar ainda é muito comum porque, especialmente no mundo ocidental, Deus é visto mais como um “Deus de explicação” que como um Deus de amor. Como já escrevi em uma ocasião anterior, parece que certos crentes torcem para que nosso conhecimento científico continue apresentando certas lacunas, para que elas possam ser preenchidas recorrendo-se a Deus. Mas isso é o oposto de tudo o que a inteligência humana nos proporciona. O crente é tentado a fazer de Deus uma explicação para aquilo que não podemos entender de outro modo. Especialmente quando sentimos que não há uma explicação científica boa ou razoável para algo, jogamos tudo nas costas de Deus.

O senhor é um ferrenho defensor da teoria da evolução. A seleção natural e outros processos evolucionários fazem parte do “universo fértil” que o senhor defende?
O universo fértil é a evolução na escala cosmológica – ou, se você prefere, evolução cosmológica. Já a evolução neodarwiniana ocorre na escala biológica. Temos bons motivos para falar em evolução cosmológica, física, química e biológica, mas não podemos perder de vista o fato de que há uma continuidade na evolução permeando todos os níveis de existência no universo.

Qual a sua opinião sobre o trabalho de escritores-cientistas que associam evolução e ateísmo?
Infelizmente, há cientistas – e muitos deles brilhantes em seu campo de atuação – que extrapolam a ciência para promover uma ideologia. A ciência é completamente neutra em relação a questões que estão fora de sua metodologia, e a “questão Deus” é uma delas.

O senhor é padre e trabalha em uma universidade laica. Como colegas e alunos veem a relação entre ciência e religião?
Nunca vi um colega questionando minhas credenciais científicas por causa de minha fé. Quanto aos alunos e o público em geral, percebo neles uma curiosidade em relação ao cientista que também é padre. É uma curiosidade saudável, que merece uma resposta honesta. E essa resposta é tentar levar essas pessoas a experimentar aquilo que eu experimentei: o êxtase que tanto a pesquisa quanto a fé religiosa proporcionam. Dar exemplo é muito mais importante que falar.

Qual o futuro da relação entre ciência e religião?
Eu sou um otimista. No entanto, existem razões mais que suficientes para ser realista e aceitar que os fundamentalismos são um sério obstáculo ao diálogo.

Entrevista com George Coyne – Tubo de Ensaio


Why evolution is true – Jerry A. Coyne

outubro 31, 2009

coyne_why_evolution_is_trueCom grande cuidado, atenção às evidências científicas e com um estilo maravilhosamente acessível, Coyne, um geneticista evolucionista da Universidade de Chicago, nos apresenta um esmagador estudo sobre evolução. Variando da biogeografia à geologia, da anatomia à genética, e da biologia molecular à fisiologia, demonstra que a teoria evolucionista fez previsões que foram comprovadas de forma consistente pelos dados encontrados posteriormente – um requerimento básico para tornar válida qualquer teoria científica. Adicionalmente, apesar de ter todo o respeito por aqueles que promovem o design inteligente e o criacionismo, usa os dados disponíveis para demolir o pensamento de que o criacionismo é embasado em evidências, ao mesmo tempo que explica porque tais idéias estão fora dos limites científicos . Coyne aborda diretamente o conceito muitas vezes defendido por fundamentalistas, de que a aceitação da evolução deve conduzir à imoralidade, concluindo que a evolução nos explica de onde viemos, não para onde podemos ir. Os leitores que procuram compreender o processo da evolução e buscam respostas para a maioria das objeções criacionistas mais comuns,  devem encontrar tudo o que precisam neste livro, que é mais claro e mais compreensível que muitos outros que tratam sobre o mesmo assunto.

Why evolution is true – Jerry A. Coyne – Amazon.com