Milagres e Milhões?

março 31, 2010

Com promessas de cura e até de ressurreição, o apóstolo Valdemiro Santiago transformou sua Igreja Mundial num novo império evangélico.”

Eis a chamada da reportagem intitulada Milagres e Milhões, publicada pela revista Época em 27 de março de 2010.

A reportagem, você pode ler no link abaixo:

Milagres e Milhões – Revista Época

A pergunta que não quer calar, é:

O que esse “império evangélico” de milhões de reais (que envolve essa e outras igrejas que se dizem cristãs) tem a ver com o que foi ensinado por Jesus?

Quem se atreve a responder?

Todo homem deveria saber que é melhor vender drogas, cachaça ou pó; ou que é melhor vender a genitália, o corpo e a boca; ou que é melhor ser bandido procurado; ou que é melhor ser falsário descoberto e perseguido — do que ser alguém que vive de pregar supostamente o Evangelho, mas que se serve dele para enriquecer, manipular, seduzir, possuir e anestesiar as almas dos homens. E isto enquanto mente o tempo todo em nome do Senhor.

Tiago disse que nenhum outro juízo será mais rigoroso, e a julgar o modo como Jesus tratou a tais espíritos nas narrativas dos evangelhos, eu não tenho nenhuma razão para duvidar.

Caio Fábio

Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai.” (Mateus 10:8)

Jesus não disse que era para vender as curas e os milagres, disse?

DE GRAÇA RECEBESTES, DE GRAÇA DAI!

Precisa ser mais claro do que isso?


Evangelho experimentado

março 30, 2010

por Lion of Zion

Algumas pessoas são teóricas; outras são práticas. As primeiras explicam os procedimentos, mas muitas vezes não conseguem fazer. As outras fazem, mas não conseguem teorizar a prática ou ensinar o que fazem.

Cristo não levantou teorias, não escreveu e fez discípulos vivendo entre todos os que de forma pratica viviam a vida.

Será que Jesus Cristo só sabia escrever no chão?

Cristo era a prática o Verbo (ação e exemplo), escrever seria a teoria de uma prática que questionaríamos hoje. Tudo que é expresso de maior ensinamento por Cristo é a prática do amor a Deus e amor ao próximo e isso e nada mais que isso é o suficiente para dar divindade ao Verbo que cumpriu todos os mandamentos escritos na pratica do amor. E isso serve de exemplo quando damos muito mais valor à peculiaridade normativa da letra que muitas vezes mal posta mata fazendo-a tomar lugar da prática do amor.

A prática do amor diário me faz crer no Cristo Ressuscitado. Crer na divindade e também muito na humanidade de Cristo que o tornou um exemplo possível de sucessão procedente Dele.

Sem a teoria escrita pelo próprio Cristo a comunidade cristã que se desenvolveu ao redor das lembranças que tinham de Jesus, e que surgiu em sociedades bem diferentes daquela da qual ele mesmo era parte, teve de construir novas interpretações a respeito de quem era e o que havia dito e feito Jesus.

Não creio que essa conseqüência tenha sido prejudicial, nunca fomos autômatos e tolhidos de fazer interpretações. O exemplo e a prática de Cristo sem a teoria escrita observada e somente seguida nos permitiram isso.

O infeliz contratempo do amanhã é que os homens se tornem autômatos.

Em um futuro próximo temo que nós não vamos mais pecar por que decoraremos a teoria escrita e nos apegaremos apenas a letra e a letra nos matará arrancando nossa alma e autarquia fazendo de nós autômatos.

Poderíamos tanto entender que pela “vida vivida” o pecado simplismente é conseqüência da de nossa negligência. Se entendessemos isso vivenciaríamos a experiência e necessidade de nossos próprios dias, nossas aflições e alegrias revertendo tudo em favor do próximo.

Se eu negligenciar o amor, o aprendizado, o convívio com as pessoas e ainda negligenciar o reconhecimento dos meus próprios defeitos a conseqüência será a super idealização do que é errado e do que agride o meu próximo.

Sendo que entendo que o pecado não brota de coisas que pré-determinaram como pecado, mas sim creio que o pecado brota na consciência de forma individual e transmitido num ciclo interpessoal.

A escrita é importante assim como as teorias debruçadas nela, mas evangelho é prática, é teoria sintetizada na graça, é aprofundamento de relações, é coragem para viver a vida, é suportar a injustiça do mundo de peito aberto e sem fuga.

A escrita tem valor quando somos cartas vivas de letras transcendentes da covardia, dos regulamentos, do julgo e de todo convencionalismo.

A escrita não deve ser regra de fato e sim interpretação, experimento imprimido pelos que sofreram as mesmas dúvidas, perseguições e medos no passado e que nós mesmos passamos hoje, e que destas coisas pela Graça tiramos lições de como suportar o que nos aflige hoje sem que isso seja uma fórmula básica, simplista e metricamente apropriada. Contudo que a escrita sirva para nós não como um martelo pronto para afundar cabeças e contrair cérebros, mas que ela seja inspiração muito mais do que poética, muito mais do que sincrética, muito mais do que dogmática.

“O evangelho é acima de tudo prática não normativa, legalista ou engessada. Simplesmente viver, visitar um amigo, rir, ir onde seu amigo precisa de você, amar, estar onde você precisa estar juntando o que foi espalhado.”

Evangelho experimentado – Lion of Zion


Prefiro transmitir graça…

março 28, 2010

… em vez de explicá-la.

por Nelson Costa Jr

Em vez de dominar a consciência, vieste aprofundá-la ainda mais; em vez de cercear a liberdade dos homens, vieste alargar-lhes ainda o horizonte… Dostoievski.

Jesus ressuscitado está presente e atuante de modo especial naqueles que no vasto âmbito da história e da vida levam sua causa adiante. Jesus não é um ser errático dentro da história do mundo. Ele representa a máxima emergência dos dinamismos que Deus mesmo colocou dentro da criação e especialmente dentro do homem.

Sua salvação está sempre inserida onde quer que haja amor, solidariedade, união e crescimento verdadeiramente humanos. Sua crucificação e ressurreição deixam claro que Jesus veio para o que era seu – a humanidade – e a grande tentação dos fiéis hoje consiste em deixar realizar aquelas tristes palavras do Apóstolo João : e os seus não o receberam na forma como ele quis se apresentar, como homem, irmão e participante de nossa condição sofredora e frágil. Ainda mais, antes de João, sabendo de que o homem e seu sistema de segurança religiosa e social eram capazes, Platão num  texto célebre, disse : “O justo será flagelado, esfolado, amarrado e com fogo cegado. Quando tiver suportado todas as dores, será cravado na cruz” (República 2, 5. 361 E).

Logo, quem será salvo ?

Não disponibilizou Jesus o Reino de Deus aos pecadores públicos como os cobradores de impostos com quem comeu, às mulheres, às prostitutas, aos estrangeiros, aos comilões, às crianças e aos beberrões ?

Por que ainda precisamos de qualificações, fórmulas e denominações ?

Jesus não é nenhum concorrente do homem e sua salvação não e algo limitado e privatizado a um ortodoxia. Pelo contrário, a cruz é símbolo da reconciliação dos opostos: sinal do ódio humano e do amor de Deus. Por sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo o homem.

Independentemente da coloração ideológica e da adesão a alguma religião ou credo cristão, sempre que o homem busca o bem, a justiça, o amor humanitário, a solidariedade, a comunhão e o entendimento entre os homens, todas as vezes que se empenha em superar seu próprio egoísmo, em fazer esse mundo mais humano e fraterno e se abre para um Transcendente normativo para sua vida, aí podemos dizer, com toda certeza, está o Ressuscitado presente porque sua causa está sendo levada adiante, pela qual ele viveu, sofreu, foi processado e também executado. “Quem não está contra nós, está conosco”(Mc 9,4 Lc 9,50) disse ainda o Jesus histórico e com isso derrubou as barreiras sectárias que dividem os homens e que fazem ver irmãos somente naqueles que aderem ao seu credo. Todos os que aderem à causa de Jesus estão irmanados com Ele e Ele está agindo neles para que haja nesse mundo maior abertura para o outro e maior lugar humano para Deus. Cristo não veio fundar uma religião nova. Ele veio trazer o homem novo que se define não pelos critérios estabelecidos na sociedade, mas pela opção que fez à causa do amor, que é a causa de Cristo. Como Espírito, Jesus ressuscitado age onde quer. Agora, na plenitude de sua realidade humana e divina, transcendeu todas as possíveis barreiras à sua ação, do sacro e do profano, do mundo e da Igreja, do espaço e do tempo. Atinge a todos, especialmente porém àqueles que, por suas vidas, lutam por aquilo pelo qual o próprio Jesus lutou e morreu, mesmo que não façam uma referência explícita a ele e ao seu significado salvífico universal, e por isso podem ser chamados de cristãos. Por isso um bom cristão pode ser um ateu e um bom ateu pode ser um cristão.

Prefiro transmitir graça em vez de explicá-la – Nelson Costa Jr


Quem é cristão, afinal?

março 28, 2010

por Rev. Gibson da Costa

A identidade cristã, ou seja, ser cristão, não decorre de apenas ser membro de uma comunidade ou de apenas crer em uma lista de doutrinas. A identidade cristã é construída a partir do sentido que socialmente damos à fé, e da constante revisão das tradições; ao mesmo tempo em que também é construída a partir daqueles aspectos da tradição que continuam a ser significativos e relevantes para a igreja cristã e para o indivíduo.[…]

[…]Como sempre, penso ser necessário afirmar que não tenho muito interesse por religião organizada, se o que se entende por isso for um conjunto certo e indiscutível de doutrinas. Considero o dogmatismo uma “esquizofrenia social” (em um sentido teológico para a expressão), e por essa razão, distingo fé de dogma. A fé parece-me suficientemente segura para lidar com quaisquer tipos de questões. A fé nunca é ameaçada por perguntas ou dúvidas. O dogma, ao contrário, é sempre ameaçado pelas perguntas e dúvidas porque é duro, é rígido, é petrificado, é vigiado e controlado, e quebra-se sob a luz do questionamento, e, portanto, merece ser ameaçado pelas perguntas e dúvidas.

Então, como resposta à pergunta daquele missionário, se ser cristão significa submeter-me a um sistema dogmático certo e indiscutível, onde não há espaço para dúvidas, para perguntas, para opiniões pessoais, então não quero ser contado como um cristão, pois não estou disposto a abraçar uma “esquizofrenia social”, não estou disposto a abandonar algo que considero ser parte integrante de minha identidade social: minha liberdade e integridade intelectuais.

Se, entretanto, ser cristão for compreendido como ser seguidor dos ensinamentos e exemplos de vida atribuídos à figura de Jesus de Nazaré, e ser membro da grande e diversa comunidade de seus discípulos cujas compreensões estão num permanente processo de reflexão, reconstrução, e, por que não?, reafirmação, então, sim, eu sou um cristão devoto e fiel.

Minha identidade cristã é moldada por minha maneira de ver a história, de entender a fé e tradição cristã, e por minhas ações, que, por sua vez, são moldadas e amparadas por minha maneira de crer e por minha maneira de interpretar a vida e minha relação com tudo o que é parte da vida. Outras pessoas compreenderão sua fé e o mundo ao seu redor de outra forma, e utilizarão outros instrumentos para ajudá-los nesse processo. As respostas encontradas por essas pessoas podem não ser muito adequadas para mim, mas elas não são mais ou menos importantes na vida dessas pessoas que as respostas que eu mesmo encontro são para mim, e é por essa razão que (mesmo discordando de e criticando essas ideias) sempre me disponho a apreciar o que essas pessoas têm a ensinar e oferecer de bom para o mundo. Temos (cristãos liberais e outros cristãos) muito mais em comum do que a maioria de nós consegue enxergar, e podemos aprender muitíssimo uns com os outros. É realmente uma pena que não possamos ver isso!

Seja qual for a opinião pessoal de meus interlocutores, e a minha própria, a verdade é que há muitas diferentes maneiras de ser cristão. O cristianismo, tendo a história e a extensão que tem, possui variedades das mais impressionantemente belas às mais horrivelmente repugnantes (em minha visão). Todas as pessoas que, da sua forma, encontram na grande Tradição Cristã o seu caminho, são cristãos para mim – e ponto final. Não me sentarei na cadeira de juiz para decidir a sinceridade ou correção das crenças de quem quer que seja, no que toca a serem cristãos ou não. E da mesma maneira, não permitirei que o julgamento de outras pessoas interfira na forma como enxergo a minha própria identidade religiosa. Eu sou um cristão, um cristão liberal.

Leia o texto completo: Identidade cristã – Quem é cristão, afinal? Rev Gibson da Costa


As batalhas do Cristianismo

março 14, 2010

Deborah Caldwell entrevista Bart D. Ehrman para o Beliefnet.com, sobre o livro “The Lost Christianities: The battles for Scripture and the faiths we never knew“.

O seu livro aborda questões hipotéticas sobre o que teria acontecido ao Cristianismo, e por extensão, à história mundial, se um tipo diferente de Cristianismo tivesse sobrevivido. Quais são seus melhores palpites a respeito disso?

Depende de qual dos lados for o vencedor. Os Marcionitas decidiram que tudo que era judaico devia ser retirado do Novo Testamento e que a bíblia judaica já não era parte a ser considerada das escriturs.  Eles achavam que havia dois deuses diferentes – o Deus dos judeus e o Deus de Jesus. Se tivessem vencido, então nós não teríamos mais o Antigo Testamento e não haveria conexão entre o Judaísmo e o Cristianismo. Meu palpite é que se isso tivesse acontecido, o anti-Semitismo não teria se desenvolvido entre os cristãos. O que alimentava o anti-semitismo era a competição entre o entendimento judaico da escritura e o entendimento cristão da escritura. Se não houvesse competição porque eles não teriam as mesmas escrituras, então é bem provável de que jamais teríamos qualquer tipo de anti-Semitismo.

Você acredita que uma versão Marcionita do Cristianismo teria se tornado uma religião espalhada mundialmente como o Cristianismo é hoje? Ou você acredita que o Judaísmo  teria permanecido ombro a ombro com essa versão do Cristianismo?

É uma boa pergunta, porque o Cristianismo Marcionita era popular pelos mesmos motivos pelos quais crenças similares são populares hoje. Hoje as pessoas falam sobre como existe diferença entre o Deus irado do Antigo Testamento e o Deus de amor do Novo Testamento. E as pessoas que fazem essa distinção se identificam mais com o Deus de amor do Novo Testamento. Bem, essa é uma distinção Marcionita, porque eles realmente acreditavam que havia dois deuses diferentes, e que era atraente para as pessoas. Os Judeus, no mundo antigo como um todo, realmente nunca foram perseguidos, mas a maioria das pessoas pensava que os Judeus eram um povo um tanto estranho. Assim, se essa religião não tivesse nada a ver com os Judeus e o Judaísmo, poderia ter atraído uma variedade maior de pessoas.

Qual seria a cara do Cristianismo se os Ebionitas tivessem vencido?

Teríamos um Novo Testamento diferente, para começar. Os Ebionitas eram adversários do apóstolo Paulo. Eles pensavam que Paulo era um herege. Uma grande parte do Novo Testamento tem a ver com o apóstolo Paulo e seus escritos. Esses seriam excluídos. Eles teriam mantido talvez o que conhecemos como Evangelho de Mateus, mas talvez não os demais Evangelhos. E  isso significa que os cristãos teriam que ser também judeus, onde homens incircuncisos teriam que se circuncidar e as pessoas guardariam a lei dos alimentos kosher e respeitariam o Sabbath, cultuariam aos sábados e manteriam os festivais judaicos. Então o Cristianismo seria mais reconhecido como uma seita do Judaísmo.

O que você pensa que teria acontecido se os Gnósticos tivessem sido os dominantes?

É um pouco difícil pensar a respeito dos Gnósticos, porque havia diversos tipos diferentes de Gnosticismo competindo entre si, assim como competindo com os cristãos, que acabaram prevalecendo sobre os outros. Gnosticismo é uma religião baseada em conhecimento interior, que poderia ter se transformado numa religião de massas ou não, uma vez que você tem um grande grupo de pessoas que não entendem, e uns poucos que entendem. Se os Gnósticos tivessem sobressaído, o Cristianismo teria uma cara bem diferente da que tem hoje.

Talvez mais Budista?

É assim que muita gente vê o Gnosticismo – ele parece como uma religião oriental porque seus praticantes estão interessados em adquirir conhecimento e iluminação, em vez de salvação pela morte de Jesus.

Então você pergunta, se fosse esse o caso, se o Cristianismo teria dominado o mundo como fez.

Sim, exatamente. O Cristianismo teria dominado o império, por exemplo, se fosse esse tipo de Cristianismo? Ou teria permanecido um pequeno grupo de pessoas? Penso que a razão pela qual o Cristianismo dominou o império foi porque o imperador romano – Constantino – se converteu. Seria difícil imaginar Constantino se convertendo a esses outros tipos de Cristianismo.

Por que você pensa que a religião que Constantino escolheu, a forma corrente de Cristianismo – a qual você chama de Proto-ortodoxo – venceu?

Até certo ponto, venceu porque eram debatedores melhores. Cada um desses grupos lutava com os outros em várias frentes, mas os proto-ortodoxos parecem ter se organizado melhor que os outros grupos e parece que tinham intenção de estabelecer um grupo de pessoas semelhantes ao redor do mundo. E então eles acabaram dominando as igrejas nas áreas onde havia mais cristãos, como Roma, eventualmente Alexandria, Egito e Jerusalém.

Quem pertencia aos grupos Proto-ortodoxos?

A maioria deles é totalmente desconhecida para nós pelo nome, mas incluem a maioria dos autores cujos escritos sobreviveram até hoje, fora do Novo Testamento. Eram pessoas como Ignácio de Antioquia e Tertuliano. Essas eram pessoas cujos escritos são bem conhecidos dos historiadores do Cristianismo primitivo.

Muitos proto-ortodoxos, como a maioria das pessoas nas igrejas cristãs, tendiam a ser de classes baixas. Os autores cujos escritos sobreviveram, eram a elite entre os proto-ortodoxos. Eram pessoas de educação avançada e que passaram a escrever. Então, como hoje, a maioria dos cristãos são pessoas comuns. Mas algumas pessoas escrevem livros e se tornam famosas por eles. Muitas delas são muito bons debatedores, e defendem muito bem seus pontos de vista.

Qual era a diferença entre os proto-ortodoxos e os grupos considerados heréticos, em termos de distribuição geográfica?

No segundo século, havia diferentes tipos de Cristianismo em diferentes partes do império, assim, em Alexandria, a maioria das pessoas era Gnóstica – ou na Ásia Menor, onde hoje é a Turquia, a maioria das igrejas era Marcionita. Em locais como os no entorno do que hoje chamamos Israel, a maioria dos cristãos eram Ebionitas. Mas em alguns desses lugares, havia também proto-ortodoxos. Proto-ortodoxos eram claramente a maioria em Roma, e parece terem sido também maioria em Antioquia, na Síria, e em muitos outros lugares.

Essa foi  a parte geográfica, mas você tem diferentes tipos de pessoas nos mesmos lugares – por exemplo, em Roma, que era largamente proto-ortodoxa, sabemos que havia Gnósticos lá, e sabemos que os Marcionitas estavam fora.É como hoje: existem Mórmons aqui em Chapel Hill, mas se você for em Salt Lake City, haverá muito mais.

Quando essas batalhas pelo Cristianismo tinham lugar?

As principais batalhas das quais temos conhecimento tiveram lugar aproximadamente 100 anos depois da morte de Jesus, e pelos próximos 50 ou 70 anos. As batalhas se arrastaram até o terceiro século, e durante esse período é que as pessoas estavam formulando argumentações teológicas para seus pontos de vista. Essa formulação de pontos de vista teológicos começou a tomar corpo no início do quarto século, quando os primeiros credos cristãos foram formulados.

Os proto-ortodoxos venceram na época do Concílio de Nicéia, e então os argumentos naquele ponto, eram muito mais sutis pontos de teologia. Todo mundo no Concílio de Nicéia teria concordado que todos os outros grupos eram heréticos.

Quais são algumas das crenças divergentes entre esses vários grupos que hoje são deixados de lado?

Bom, vamos começar pelos Ebionitas. Os Ebionitas eram monoteístas completos, então só há um Deus, e ninguém pode ser Deus, portanto, Jesus não era divino para eles. Jesus era um ser humano totalmente feito de carne e sangue, que era mais justo do que qualquer outro, e foi escolhido como filho por Deus. Em outras palavras, Deus deu a ele a missão de morrer pelos pecados do mundo. Mas ele não era Deus, então os Ebionitas mantiveram seu judaísmo porque pensavam que Jesus era o Messias, previsto por esse Deus único. Eles negavam a divindade de Jesus, rejeitavam os ensinamentos de Paulo, e suas escrituras eram o que hoje chamamos o Antigo Testamento. Eles não pensavam em nascimento virginal ou qualquer outra coisa que pudesse fazer de Jesus qualquer coisa que não fosse humano.

Os Marcionitas tinham exatamente o ponto de vista oposto. Eles pensavam que havia dois deuses. Aceitavam que havia um Deus do Antigo Testamento, que era secundário, inferior ao Deus verdadeiro, que era o Deus de amor, que enviou Jesus ao mundo para salvar as pessoas do Deus do Antigo Testamento. Havia literalmente dois deuses diferentes. Cristãos eram os que seguiam o Deus de Jesus, em detrimento do Deus do Antigo Testamento.

Os Gnósticos acreditavam que os cristãos comuns eram superficiais em seu entendimento e que havia segredos ocultos, mensagens que Jesus transmitiu, que os Gnósticos entendiam. Eram essas mensagens ocultas, quando corretamente entendidas, que traziam a salvação. Em outras palavras, a morte e ressurreição de Jesus não garante salvação – são seus ensinamentos secretos que precisam ser entendidos.

Estou interessado também em saber o que aconteceu durante essas batalhas cristãs. Era apenas guerra verbal por meio de cartas, ou havia violência?

Não penso que havia qualquer tipo de violência física acontecendo. Penso que eram mais como Democratas e Republicanos discutindo sobre alguma coisa ou outra.

Assim como poderiam declarar um vencedor?

Os proto-ortodoxos acabaram vencendo da forma como qualquer ideologia normalmente vence. Se for capitalismo x comunismo, você acaba convencendo a maior parte das pessoas de que você está certo – e elas concordam com você e discordam da oposição. O mundo antigo não possuía mídia de massas, mas tinha, especialmente entre os proto-ortodoxos, um esforço concentrado para gerar literatura para dar suporte aos seus pontos de vista. Como a maioria das pessoas não sabia ler, ouviam alguém lendo. Literatura no mundo antigo era lida em voz alta, e penso que ela teve um papel decisivo na vitória dos proto-ortodoxos, porque escreveram contra os vários tipos de hereges e pareciam convincentes.

Outro tema que encontrei no livro é que os proto-ortodoxos tinham necessidade de martírios, perseguição e sangue. Você acha interessante que isso tenha atraído as pesssoas?

Sim, isso é interessante. O caso é: cristãos adoravam um homem crucificado e os proto-ortodoxos insistiam que, para segui-lo, para realmente segui-lo, era experimentar o mesmo destino. Havia outros grupos de cristãos que argumentaram que Jesus não sofreu de verdade, mas apenas pareceu sofrer. Alguns dos Gnósticos, por exemplo. E eles não pregavam o martírio porque não pensavam que Jesus tinha sido martirizado.

Se você extrapolar aos tempos atuais, os demógrafos da igreja sempre dizem que se você abraçar um conjunto de crenças mais rigoroso para a adesão, as pessoas tendem a ser atraídas nessa direção. Talvez foi isso que aconteceu?

Sim, o Cristianismo realmente prospera entre populações que sofrem. O Cristianismo começou dessa forma, como uma religião minoritária em um mundo muito cruel.

O seu livro é um entre vários que tratam de assuntos semelhantes atualmente, e parece que todos estão interessados nisso. Porque investigar esses Cristianismos alternativos se tornou tão importante?

Penso que há uma grande variação em termos de crença hoje, e que as pessoas buscam respostas para si mesmas. Quando as pessoas descobrem que o Cristianismo sempre teve pessoas tentando encontrar respostas por si mesmas, e que as respostas diferem umas das outras, então elas concluem que o mesmo acontece no  mundo moderno.

The Christianity battles – Interview with Bart D. Ehrman about Lost Christianities – Beliefnet.com