A history of the end of the world – Jonathan Kirsch

novembro 3, 2021

“O livro do Apocalipse tem servido como um “arsenal” na maior parte dos conflitos sociais, culturais e políticos na história ocidental. Mais de uma vez, o livro do Apocalipse provocou alguns homens e mulheres muito religiosos e perigosos, a entrar em ação para provocar seus apocalipses particulares. Acima de tudo, o cálculo moral do Apocalipse – a demonização dos próprios inimigos, a santificação da vingança, e a noção de que a história terminará em catástrofe – pode ser detectada em muitas das piores atrocidades e excessos em cada geração, incluindo a nossa. Por todas essas razões, a maior parte de nós ignora o livro do Apocalipse, e isso para nosso próprio empobrecimento, ou mais certamente, nosso próprio risco.”

O autor misterioso do livro da Revelação (ou Apocalipse, como o último livro do novo testamento é mais conhecido), nunca deve ter considerado que o seu sermão a respeito do fim dos tempos, iria durar mais do que a sua própria vida. De fato, ele previu que a destruição do planeta seria testemunhada pelos seus contemporâneos. Mas o livro do Apocalipse não só sobreviveu ao seu criador; sua vívida e violenta fantasia de vingança tem exercido um papel significante na história da civilização ocidental.

Desde que o Apocalipse foi pregado pela primeira vez como palavra revelada de Jesus Cristo, tem assombrado e inspirado ouvintes e leitores da mesma forma. A marca da besta, o anticristo, 666, a prostituta da Babilônia, Armagedon, e os quatro cavaleiros do Apocalipse são apenas algumas das suas imagens, frases e códigos que fizeram seu caminho na fábrica da nossa cultura.  As questões levantadas atingem em cheio o coração do medo humano da morte e a obsessão com a vida depois da morte. Iremos nós, individualmente ou coletivamente, viver eternamente em glória, ou arder eternamente no inferno? Como aqueles que melhor manipularam esta visão sombria aprenderam, de que lado vamos cair é uma questão de vida ou morte. Usado como arma nas guerras culturais entre Estados, religiões e cidadãos, o livro do Apocalipse tem alterado de forma significante o rumo da história.

Kirsch, que é chamado pelo Washington Post um “refinado contador de histórias, com um toque de renderização de antigas lendas deixando-as atraentes e relevantes para audiências modernas”, nos proporciona uma história chocante e de grande envergadura, deste livro escandaloso, que quase foi cortado do Novo Testamento. Da queda do Império Romano à  Peste Negra, da Inquisição à Reforma Protestante, do Novo Mundo à Direita Religiosa, esta crônica do uso e do abuso do livro do Apocalipse conta o desenrolar da história e as esperanças, medos, sonhos e pesadelos de toda a humanidade.

A history of the end of the world – Jonathan Kirsch

Um livro bem interessante, sobre quantas vezes ao longo da história ocidental, a data do fim dos tempos foi marcada. Inclusive, com a história da influência que exerceu na política de alguns presidentes norte-americanos, Ronald Reagan, George Bush (pai) e George Bush (filho); o surgimento do sionismo; o impedimento do avanço de qualquer diálogo que venha a gerar paz entre muçulmanos e judeus, porque a paz entre eles, supostamente, impediria a volta de Jesus; e tantas outras bizarrices e loucuras que o ser humano foi capaz de inventar e executar, inspirado por um livro que Lutero pensava que não devia fazer parte do Novo Testamento, o livro do Apocalipse.

Atualização em 2021: trouxe este post de volta por perceber que novamente há crentes falando sobre o fim do mundo. Eles preferem falar disso em vez de falar sobre a realidade. É muito mais interessante especular sobre isso em vez de focar em agir como cristãos de verdade, aqui e agora. É uma forma de justificar as faltas e omissões dessa galera: o fim do mundo está chegando, então por qual motivo eu deveria cuidar das questões reais e atuais? De tempos em tempos os profetas do fim do mundo reaparecem, contando com a falta de memória das pessoas. No caso atual, a pandemia fez com que eles ganhassem palco. Isso já aconteceu antes, acontece agora e acontecerá novamente no futuro. Não há nada de novo sob o sol.


The Grand Inquisitor’s Manual: A History of Terror in the Name of God – Jonathan Kirsch

junho 4, 2011

[…]O século XII viu nascer um tipo novo e sinistro de terrorismo sancionado, uma rede internacional de polícia e tribunais secretos, um exército de inquisidores, cujo objetivo era procurar qualquer um que tivesse sido qualificado como inimigo, com uma lista de dezenas de milhares. Os agentes originais da Inquisição, pregadores e monges, escribas e notários, advogados e contadores, torturadores e carrascos, recebiam carta branca da igreja e seus piores excessos eram perdoados como pecados cometidos por soldados engajados numa guerra santa contra a heresia, que se tornou a obsessão da cristandade. No entanto, os ruídos dos motores desse grande mecanismo de perseguição, criado pela civilização ocidental, não deixam indicações do escopo final e influência dessa “caixa de ferramentas” dos inquisidores, e como os crimes dos primeiros inquisidores continuam sendo repetidos, de novo e de novo, mesmo no século XX.  Apesar da importância desse legado, a história da inquisição continua sendo largamente negligenciado pelos historiadores em geral. Com a obra The Grand Inquisitor’s Manual, o autor Jonathan Kirsch nos entrega uma história vasta e provocativa, que explora como a Inquisição foi se aperfeiçoando até à perfeição, e foi sendo exercida sobre um grupo cada vez mais amplo de vítimas, por indivíduos autoritários tanto da Igreja quanto do Estado, por mais de seiscentos anos. Indo dos cavaleiros templários, aos primeiros protestantes, de Joana d’Arc a Galileu; da tortura e assassinato de centenas de milhares de mulheres inocentes, durante a caça às bruxas, ao seu momento mais poderoso na Espanha depois de 1492, quando os tribunais secretos e as câmaras de tortura eram destinados pela primeira vez, contra judeus e muçulmanos, até a guerra moderna contra o terror, Kirsch nos mostra como a Inquisição permanece como um símbolo universal e inerradicável de terrorismo, que resulta quando um poder absoluto coloca suas corrupções em operação. A história da inquisição está envolvida em mito e mistério, tema favorito de artistas e publicitários nos seus seiscentos anos de operação ativa. No entanto, quando afastamos esse véu, o que vemos são os planos originais de uma máquina de perseguição que foi inventada na Alta Idade Média e vem sendo aplicada à carne humana desde então.  Este livro, Grand Inquisitor’s Manual, expõe os perigos da lógica circular da Inquisição, de modo que nós não perpetuemos sua marca de terror.

[…]Uma vez que a guerra à heresia, era entendida como uma disputa apocalíptica entre o bem e o mal, Deus e Satã, então os fins justificavam os meios – e nenhum meio era deixado de fora.  “Quando a existência da Igreja está ameaçada, ela não precisa obedecer os mandamentos da moralidade”, declarou o bispo  de Verden, num tratado publicado em 1411.[…]

[…]Depois das peregrinações, o próximo nível de punição era obrigar um herege confesso a vestir a “cruz da infâmia” – uma cruz amarela que devia ser colocada nas roupas, de acordo com o manual dos inquisidores, como um sinal inconfundível de que a pessoa que as usava era um herege. Algumas vezes a cruz era afixada num dos lados só do corpo, e em outras, tanto na parte da frente quanto nas costas, algumas vezes havia um número de anos durante os quais a cruz da infâmia devia ser usada, em outras, era para o resto da vida do penitente. Uma vez que o uso dessa cruz tenha sido decretada pelo inquisidor, elas devem ser usadas todo o tempo, em casa e na rua, como marca indelével do status herético do indivíduo.  Então, o uso dessas cruzes reduzia a vítima a um pária, e era exatamente esse o seu objetivo, e expunha o usuário a todo tipo de abuso, isolamento e ridículo.

Outro exemplo da atenção aos detalhes que caracterizava todos os aspectos da inquisição. O herege não podia escolher uma cruz amarela pequena e obscura, o tamanho era especificado na sentença formal pronunciada pelo inquisidor – “dois palmos de altura e largura”, por exemplo, e em algumas vezes, maiores do que isso.Para ter certeza de que as cruzes ficariam totalmente visíveis, o inquisidor especificava que “a roupa na qual o herege confesso usará a cruz, nunca pode ser da cor amarela.” A inquisição emitia uma oferta de pano para o herege confesso no momento da sentença, “mas substituir as cruzes quando se desgastassem, era tarefa do penitente”. Remover ou esconder a cruz seria considerado como uma recaída à heresia, um crime novo e ainda mais hediondo, e que era punido com a morte.[…]

[…]Enquanto ser obrigado a vestir cruzes era considerada uma aflição menor das que eram impostas às vítimas da inquisição, a sentença levava a uma catástrofe social e financeira. Um homem ou mulher obrigados a vestir a cruz dos hereges tinha enormes dificuldades em conseguir trabalho ou alojamento. Se a família não tivesse sido reduzida à ficar sem abrigo e à fome, filhos e filhas de hereges tinham poucas chances de se casar. A família toda era reduzida ao ostracismo pelos amigos e por outras pessoas, que tinham medo de serem associados com hereges confessos e serem então acusados do mesmo crime. Sem dúvidas, o isolamento terrível que resultava do uso das cruzes, era o ponto alto da penitência.[…]

The Grand Inquisitor’s Manual: A History of Terror in the Name of God – Jonathan Kirsch – Paperback Swap

Mudou alguma coisa? As igrejas não continuam pensando que vale passar por cima de princípios morais (fins que justificam meios), quando se consideram supostamente ameaçadas por “inimigos”? Não continuam marcando, rotulando e isolando aqueles que consideram como “hereges”? Hoje, já não podem mais obrigar o “herege” a fazer peregrinações, ou participar de cruzadas de onde jamais voltará, ou usar cruzes amarelas como marca distintiva de “heresia” nas roupas (alguma semelhança com as marcações que Hitler usou mais tarde? De onde vocês acham que Hitler tirou a ideia?), mas encontraram outras formas de rotular, tão perniciosas quanto. O que Jesus tem a ver com esse tipo de coisas? Nada, é claro. Mas quem disse que é em Jesus que essas pessoas estão pensando? Quem disse que é Jesus que elas estão imitando?