Sobre compaixão e feridas…

curativoNo primeiro volume de Os Miseráveis, de Victor Hugo, consta a seguinte frase:

“A maior compaixão para com um homem que tem uma ferida, é não tocar nela.”

Imagine que você tem uma ferida há anos, que apesar de todos os seus esforços e de todos os tratamentos, não cicatriza. Imagine agora que você se torna cristão. No início, todos te aceitam como você é. Mas com o passar do tempo, logo você começa a incomodar as pessoas, elas querem te obrigar a sarar, querem que você se cure de qualquer jeito, nem que seja à força. E começam a arrumar receitas caseiras e curativos, e cada vez que você aparece, essa ferida é sistematicamente cutucada e combatida. Ninguém se importa se você está sentindo dor, e se em vez de melhorar, a ferida só está piorando. E essas pessoas ainda conseguem sentir raiva de você, porque acham que você nunca fez nada para tratar a ferida. Mas fala sério, será que elas pensam que é gostoso ter uma ferida incurável? Será que pensam que alguém escolhe isso?

O que você faz? Não vai repelir essas pessoas, que estão apenas aumentando seu sofrimento em vez de ajudar? Não prefere confiar essa ferida a quem tem capacidade para tratá-la, sem transformar isso numa tortura?

Tem muitas pessoas que, para tratarem a ferida, matam o paciente. Isso é extremamente comum em igrejas. Preferem o paciente morto, a vê-lo continuar vivo e sem cura.

Muitas vezes, é melhor ficar ferido e sozinho, do que cercado de pessoas que se metem a receitar remédios e fazer curativos, sem ter nem habilidade nem o conhecimento necessário. Enxergam a ferida, mas não sabem o que a causa, e imaginam causas, explicações e tratamentos próprios.  Sem se colocar no lugar de quem sente a dor. E como a explicação que imaginam para a presença da ferida está errada, o tratamento que aplicam não funciona. E o paciente fica pior do que antes, muitas vezes, morre.

Se o bom samaritano não soubesse como tratar as feridas, não teria tocado nelas; teria apenas transportado o homem ferido até quem as soubesse tratar.

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